segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Jogos para donzelas, Shinsengumi e uma resenha

Essa semana, depois de me aventurar a arrumar minhas coleções de mangás, relembrei todo o meu amor por Rurouni Kenshin (ou Samurai X, mas eu sou hipster e uso o nome original). Relê-lo agora que atualizei meus conhecimentos pífios em História japonesa me dá uma outra visão dos fatos.
Sempre tive adoração por aquela seção do mangá em que o Nobuhiro Watsuki fazia um comentário sobre a criação dos personagens, e voltando nelas agora, notei a quantidade de personagens que ele baseou em membros da Shinsengumi – porque não basta colocar os personagens per se.

Senta que lá vem História!
Shinsengumi (新選組 ou 新撰組) , algo como “tropas recém selecionadas”, era um grupo de guerreiros sem mestre que atuava do lado do xogunato, “mantendo a paz” em Quioto. Durante pleno bakumatsu, também conhecido como fim do xogunato (período antes de 1868) – uma época conturbadíssima na História japonesa, que marca o fim de um Japão feudal e o início da modernização e da abertura de portos do país. Eles eram reconhecidos pelo haori (uma espécie de "casaco") azul-claro com montanhas brancas nas mangas, que era considerado um tanto... hmmm, chamativo - cinza e preto sempre foram tendência, olha só.

(Ai, quando eu ‘tava no Ensino Médio fiz um resumo geralzão sobre História japonesa. Leiam lá e não me decepcionem. Um, dois, três e quatro.)

Claro, aquele “mantendo a paz” entre aspas não é por acaso. De um lado, você tinha o Senhor Generalíssimo-sama, o xogum, que mandava e desmandava em todos os outros senhores feudais. E era do lado desse cara que a Shinsengumi estava. 
Do outro lado, você tinha: população revoltada com impostos + senhores feudais oprimidos pelo sistema de xogunato + sentimento de “o xogum não deixa o nosso Imperador mandar em tudo como deve ser”. Não podia dar muito certo. Então, spoiler histórico: a Shinsengumi estava do lado perdedor.

E eles eram mais ou menos assim, só que sem posar para fotos.
Sendo assim, é curioso a quantidade de mitos e histórias que foram criados em torno dessa milícia – que, diga-se de passagem, não era lá muito popular entre os cidadãos de Quioto de sua época. Mesmo o Nobuhiro Watsuki vivia, nas seções de “conversa com o leitor” em Rurouni Kenshin, pedindo desculpas por mudar isso ou aquilo das personagens históricas, ou implorando pra que os leitores não fizessem flamewars acerca das preferências políticas, pra vocês verem, ainda da época do bakumatsu. (Se bem que as piores guerras de impropérios surgem dos assuntos mais absurdos...)

Aliás, sempre achei muito interessante como o mundo editorial japonês transforma até História e personagens históricos em personagens fictícios (bizarros) sem muito escândalo. Seria como – eu pensando em equivalências toscas – se alguém escrevesse um livro em que o personagem principal fosse D. Pedro I, mas como um vampiro bon-vivant que pode saltar entre as eras e, a propósito, em algum ponto ele consegue um Gundam para derrotar as forças portuguesas do mal.

Esse cavalo na verdade é feito de Gundamnium. Por isso que as crianças estão fugindo.
Então... sobre a Shinsengumi foram feitos INÚMEROS jogos, mangás, novelas, filmes, livros,  etc. Em algumas mídias, eles são os personagens principais; em outras, não. Mas eles se fazem presentes mesmo na influência sobre outros personagens - o caso do autor de Rurouni Kenshin sendo o mais conhecido por mim.:D
Já foram dados diversos enfoques também: no talento da milícia em batalhas, nas relações entre os guerreiros (o que me lembra "Tabu", filme que enfoca a questão da homossexualidade), nas relações entre os guerreiros e o mundo de fora da Shinsengumi etc.

Bom, mas como eu cheguei nisso mesmo? Ah, sim. Depois de Rurouni Kenshin, fui pesquisar um pouco sobre a Shinsengumi. Foi assim que achei um otome game chamado Hakuôki: Shinsengumi Kitan nos relacionados .

Para os não iniciados, otome game é o tal do “jogo para donzelas”. É um tipo de jogo em que você começa a aventura entre um grupo de rapazes (com personalidades bem distintas e bem tipificadas), em uma dada situação – que pode envolver cotidiano, vida escolar, vampiros, passado, futuro ou tudo isso ao mesmo tempo (;D). 
Depois de escolher o seu predileto (o príncipe, o esportista, o nerd, o fofinho, o anti-herói, etc.), ao longo do jogo você vai selecionando opções de respostas em menus para ir melhorando seu relacionamento como ele. Até que no fim do jogo você fica com o seu predileto, yay! Ou algo assim. É basicamente um jogo de massagem no ego, em que os personagens masculinos são bonitões, interessantes, e a tratam como uma princesa desde o início (ou não, se você gosta de rapazes “fazidos”). Por exemplo:

"Pelo amor desse jogo, escolha uma opção com contato físico, Ohime-sama."
Opções: 1) Vamos jogar xadrez. 2) Vamos observar as cerejeiras em flor. 3) Vamos fazer algo quente!
 E dependendo das suas opções, da situação e do personagem escolhido, você pode acabar em uma cena como esta:
Jackpot.
Ou como esta:
"Suas habilidades no xadrez me impressionam, Ohime-sama!"
Os chamados “simuladores de namoro” são jogos bem populares entre otakus japoneses, inclusive entre os homens. Nem sempre esses jogos incluem sexo, mas quando incluem são chamados de eroge (abreviação de “erotic game”).
Eles podem ter uma história “original” (que normalmente não é nem um pouco original), ou ser baseados em mangás/animes. 
Por exemplo, o único jogo do gênero que eu já joguei até o fim foi um Love Hina para o console Gameboy Advance. Nesse caso, o jogo permite que você subverta as regras do mangá, e, em vez da chata da Narusegawa, o Keitarô termine ficando com a Mitsune, a Motoko ou qualquer personagem mais interessante que a Naru.:P

Naturalmente, todos os otome game têm um personagem masculino principal, mas você é livre para escolher entre o mundo de homens que aparece na sua jornada. O harém é seu. :D
Mas, em resumo, até a Shinsengumi já virou tema principal de jogo de donzelas. (O chonmage, aquele penteadinho desgraçadamente feio dos guerreiros, é que não teve muita popularidade entre os character designers... Nem entre as otome. Pergunto-me por quê.)

Foi o que comecei a jogar anteontem, o tal do Hakuôki: Shinsengumi Kitan. E em japonês, o que muito me frustra porque não dá pra avançar praticamente nada em um jogo desse tipo sem ter vocabulário – e, no caso, vocabulário “de época”.
Daí, impaciente como eu sou, resolvi ver o anime que criaram baseado nesse jogo.

Hakuôki, uma resenha.
Tudo isso posto, resolvi fazer uma resenha.

Um resumo sem spoilers: Chizuru Yukimura vai para Quioto em busca de seu pai, um médico que sumiu em meio à confusão do fim do xogunato quando resolveu ir até a capital. Anoitece, e Chizuru (que aparentemente não sabe que depois de certo horário as coisas ficam meio tensas) acaba sendo perseguida por alguns samurai sem mestre arruaceiros que se interessam pela espada curta que ela carrega. Uma fugidinha daqui, outra dali, enquanto a mocinha acha um esconderijo precário, os seus perseguidores são atacados por guerreiros da Shinsengumi que estão aparentemente fora de si (= olhos vermelhos, cabelos brancos e risadinhas estridentes – “coelhinho da páscoa mode on”) atrás de sangue e de entranhas espalhadas pelo chão. Os guerreiros malucos, por sua vez, são eliminados por outros membros da mesma Shinsengumi, esses sim normais e, claro, lindos. Eles dão de cara com a menina aterrorizada pela carnificina e, como ela viu algo que não devia ter sido visto, eles decidem levá-la como prisioneira – até porque a coitada da Chizuru desmaia como toda boa mocinha indefesa.
Ela acorda no quartel-general da Shinsengumi, conhece todos os membros, conta que está à procura do pai e que não pode morrer antes de achá-lo, porque se não isso não é um otome game! Tcharam. Eles a deixam viver porque aparentemente também estão procurando o pai dela, um médico que desenvolveu algum tipo de remédio que cura e potencializa a força de quem o toma, mas tem efeitos colaterais terríveis. E o resto é spoiler. Se você ainda quer ver e acha que pode ter algo imprevisível na história, SAIA JÁ DESSE TEXTO!
 
Se não... Pode te aprochegar por aí, vivente, que ainda tem muito mate pra... matear. (/gauchismofail)

Várias coisas me fizeram ver esse anime: os homens bonitos; a questão da Shinsengumi e dos fatos históricos; a parte de fantasia; o harém inverso (8D); a parte do sangue; a parte do romance; a tensão gender bender inicial (sim, porque se eu fiz uma resenha sobre, significa que tem gender bender em algum lugar). As ferramentas estavam ali, mas é claro que a montagem nunca é boa o suficiente... 

A protagonista, Chizuru, é um pequeno pé no saco. Começando pelo primeiro spoiler, a mocinha tem sangue de oni (demônio, ogro, entidade fantástica japonesa), então ela tem aquela capacidade Wolverínica de se regenerar com uma rapidez impressionante. Ela também carrega aquela espada curta que, até onde nos disseram, é “herança do clã dos demônios do leste” e, portanto, tem um poder considerável. Mas ela é uma mocinha tradicional: fraca, inútil, que só grita e desmaia.
Apesar de estar ligada a toda essa questão de, hmm, saúde (filha de um médico, consegue se regerar...), ela é incapaz de oferecer apoio médico satisfatório para os membros da Shinsengumi (o que é uma burrice, porque a quantidade de fanservice possível seria insanamente maior se eles arrumassem isso...8D). Porque não, eles já tem um médico que cuida de tudo.
Além disso, a Chizuru tem uma espada foderosa, mas – sem brincadeira nenhuma – toda a santa vez que ela vai sacar a dita-cuja, aparece algum dos lindos homens da milícia e luta por ela. E apesar do fato de começar a viver entre a milícia e até PATRULHAR as ruas com eles, em momento algum a Chizuru faz o favor de treinar qualquer coisa que seja com aquela espada. Não. Ela varre o chão o episódio inteiro. D:
Mas não é só isso! Quando algum dos homens da Shinsengumi entra em batalha, ela corre atrás para quê? Para ficar gritando, distraindo os caras e atrapalhando a luta de forma geral. Em resumo, muita gente acaba morrendo para defendê-la. (Claro, é tudo desculpa do jogo/anime, porque historicamente falando eles morreriam da mesma forma.)

Nem o Saitou aguenta mais essa ladainha.
O grande spoiler é que o remédio que o pai da protagonista criou para o pessoal da Shinsengumi transforma os seus usuários permanentemente em Rasetsu, seres que são basicamente vampiros. Então, pouco a pouco, a Shinsengumi inteira vai virando uma tropa de vampiros.

Na sequência, acabamos conhecendo os vilões de verdade na história, que também são demônios. E eles, claro, estão atrás da Chizuru a fim de... hihihi... Ok, esse spoiler nem eu sou capaz de dar. Na verdade, o vilão principal, o Kazama, é o personagem que fala as coisas mais sãs de todos os episódios em relação à Chizuru.

Tipo isso.
A Naru Narusegawa dessa história, o bonitão principal, é o vice-comandante Toshizou Hijikata, baseado em uma personagem real, capitão da Shinsengumi - originalmente tido como um homem rígido e sério, que fazia papel de "mãe" porque o comandante Isami Kondou não tinha pulso firme com os subordinados. É ele quem propõe que eles deixem a moça viver ali. Ele é o típico personagem “príncipe atormentado”, que parece que não liga para a mocinha, mas se declara nos momentos cruciais. Na verdade, nessa primeira temporada (o anime tem 2 temporadas e mais uns episódios especiais de encheção) praticamente nada aconteceu. Não para os meus parâmetros. Não parece que ele finge que não se importa. Ele parece realmente não se importar. Mas eu também tenho problemas com protagonistas – os secundários e os vilões sempre parecem mais interessantes.

"Vou aprisioná-la e tratá-la com indiferença. E você vai me amar de qualquer jeito porque eu sou o protagonista."
O que me lembra do Hajime Saitou. Parece que os japoneses têm uma imagem bem consolidada da personagem histórica, e isso acaba refletindo na ficção. Vocês se lembram do Saitou em Rurouni Kenshin? Ele era cruel, frio, o típico cara que parece que está contra você, mas que acaba salvando o time em momentos-chave (Ikki? Magus?).  Desde a época de RK acho ele um personagem muito bem desenvolvido e muito interessante por si só. Parece que a figura histórica Hajime Saitou era um homem de poucas palavras, misterioso, sem muita paciência pra mimimi – e feio (D:). E ele foi um dos membros que sobreviveu. Mas o mais curioso é que até os diferentes designs do personagem são relacionados de certa forma.

Céus, até o tom de azul do cabelo já está consolidado!
Outro membro da Shinsengumi que sempre me despertou uma certa curiosidade foi o tal do Souji Okita. Na verdade, de novo, devo isso ao Nobuhiro Watsuki, que baseou o Soujirou Seta, um dos meus personagens favoritos, vilão da fase do Shishio, nessa personagem histórica. Souji Okita era um prodígio como guerreiro; antes dos 18 anos ele já havia mestrado e desenvolvido técnicas avançadas de espada. As representações midiáticas tendem a mostrar o Souji como um garoto (ele realmente era um dos mais jovens entre os membros da milícia) talentoso, calmo, gentil, “puro”, quase “feminino”. Em Hakuouki, ele é aquele personagem meio malandro, que ri de tudo, o que foge um pouco das representações da personagem histórica. Souji Okita morreu jovem, aos 25 anos, mas não foi “de batalha”; ele contraiu tuberculose.

Not pictured: tuberculosis.
Enfim, acho que o que atrai tanta atenção sobre a Shinsengumi é o fato de ela ter sido composta por personalidades, por guerreiros inegavelmente talentosos e interessantes. E com personalidades distintas o suficiente para fazerem parte de um otome game como tipos.:D

Vi todos os 12 episódios em uma única madrugada porque a expectativa que a série criou em mim foi enorme – mas acabou sendo perdida no meio do caminho. Há uma tentativa de equilibrar as temáticas, mas eu sinto que isso torna tudo mais morno: a rigor, essa não é uma série sobre História, mas dá pra sentir a preocupação meio exagerada em situar os conflitos e as batalhas do bakumatsu, por exemplo, enquanto a parte de ficção e de fantasia fica relegada a um plano secundário.

Parece que faltam boas lutas, faltam boas cenas de romance, faltam boas cenas de humor e falta desenvolvimento na questão dos demônios.  A série é, como eu já disse, morna – e eu me pergunto porque criei tanta expectativa em cima de um otome game, no qual as situações são indefinidas por natureza, já que é a jogadora quem escolhe o final...
E por mais que eu ache interessante todos os conhecimentos sobre o bakumatsu, é muito difícil dissociar o que é liberdade artística e o que é História, motivo pelo qual acho que seria interessante se a questão histórica fosse chutada pra escanteio e a questão fictícia tomasse conta.

Senhoras e senhores: a verdade.
 Não digo que Hakuôki não valha a pena. Tem que haver uma explicação para eu estar me torturando com a segunda temporada, esperando o momento em que a Chizuru vai sacar aquela espada maldita, entrar em modo berserk e retalhar todos os inimigos, ou o momento em que o Hijikata vai tomar alguma atitude romântica mais... mmm, ativa em relação a ela. O anime tem o seu valor e até, vejam só, uma precisão histórica. Mas não é primordial. Vejam se vocês tiverem tempo. Ou se estiverem em busca de fanservice para meninas.

(Spoiler: Na segunda temporada, a moral é que os personagens vestem roupas ocidentais. E o Hijikata corta o cabelo e se torna igual ao Sebastian de Kuroshitsuji. E não fui só eu que percebi.)


Mas meu interesse em Shinsengumi perdura, e com todas as pesquisas feitas, fiquei com vontade de ver Peacemaker Kurogane, Kaze Hikaru e o dorama de época Shinsengumi! (estrelado por ninguém menos que o Katori “Shingo Mama”!).


Este cara.