sábado, 19 de dezembro de 2009

Yomu, yomimasu, yondeiru

Gostaria de fazer uma denúncia: neste ano, Livraria Cultura, sebo Traça, Estante Virtual, livraria Londres e Instituto de Letras fizeram um complô contra a minha pessoa.
Cada vez que adentrava esses lugares (física ou virtualmente), exceto pelo IL, minhas finanças diminuíam. /emoticonmagoado
E mimimi.

No fim das contas, sobrou essa checklist de livros comprados esperando leitura:

1) "Eu sou um gato" (Wagahai wa neko de aru), Sôseki Natsume.
2) "Há quem prefira urtigas" (Tade kuu mushi), Jun'ichirô Tanizaki.
3) "Contos da palma da mão" (Tenohira no shosetsu), Yasunari Kawabata.
4) "A casa dos espíritos" (La casa de los espíritus), Isabel Allende.
5) "Todos os nomes", José Saramago.
6) "Ficções" (Ficciones), Jorge Luis Borges.
7) "Diário de um velho louco" (Futen rojin nikki), Jun'ichirô Tanizaki.
8) "O livro de areia" (El libro de arena), Jorge Luis Borges.
9) "O livro dos seres imaginários" (El libro de los seres imaginarios), Jorge Luis Borges.
10) "Recordações do escrivão Isaías Caminha", Lima Barreto.
11) "Os sertões", Euclides da Cunha.
12) "O pai Goriot" (Le père Goriot), Honoré de Balzac.
13) "Bestiário" (Bestiario), Julio Cortázar.
14) "Contos de Grimm - Volume I" (edição da L&PM Pocket), irmãos Grimm.
15) "Contos de Grimm - Volume II" (edição da L&PM Pocket), irmãos Grimm.
16) "Odisséia II - Regresso" (edição bilíngue e em três volumes da L&PM Pocket), Homero.
17) "Odisséia III - Ítaca" (edição bilíngue e em três volumes da L&PM Pocket), Homero.
18) "Miso Soup", Ryu Murakami.
19) "Crônica da estação das chuvas" (Tsuyu no atosaki), Nagai Kafu.
20) "O país das neves" (Yukiguni), Yasunari Kawabata.
21) "Todos os fogos o fogo" (Todos los fuegos el fuego), Julio Cortázar.
22) "Contos completos", Virginia Woolf.
23) "Contos gauchescos", Simões Lopes Neto.
24) "Mulher das dunas" (Suna no onna), Kobo Abe.
25) "Caminhos cruzados", Erico Verissimo.
26) "O prisioneiro", Erico Verissimo.
27) "O resto é silêncio", Erico Verissimo.
28) "As histórias preferidas das crianças japonesas - Livro 1".
29) "As histórias preferidas das crianças japonesas - Livro 2".
30) "Admirável mundo novo" (Brave new world), Aldous Huxley.
31) Etc.

Releituras que quero fazer:
1) "As viagens de Gulliver" (Gulliver's Travels), Jonathan Swift.
2) "Decamerão" (Decameron), Giovanni Boccaccio.
3) "Caçando carneiros" (Hitsuji wo meguru bôken), Haruki Murakami.
4) Etc.

Leituras aguardando na biblioteca:
1) "Kitchen", Banana Yoshimoto.
2) Etc.

Leituras aguardando em algum lugar do universo:
1) "Livro das Mil e Uma Noites" (todos os volumes *_*), com tradução do Mamede Mustafa Jarouche.
2) "Shogun", James Clavell.
3) "Dom Casmurro", Machado de Assis. (yup, não li ainda)
4) "Mansfield Park" (edição bilíngue), Jane Austen.
5) "Musashi", Yoshikawa Eiji.
6) Qualquer livro de fábulas, folclores, mitologias, contos do imaginário popular.
7) (Insira aqui qualquer coisa, pois essa é uma lista de Letrista, ou seja, uma lista que vai ao infinito)

Já lidos:
1) "Dublinenses" (Dubliners), James Joyce.
2) "Coração" (Kokoro), Sôseki Natsume.
3) "A casa das belas adormecidas" (Nemureru bijo), Yasunari Kawabata.
4) "Crônica de uma morte anunciada" (Crónica de una muerte anunciada), Gabriel García Márquez.
5) "A metamorfose" (Die Verwandlung) e "O veredicto" (Das Urteil), Franz Kafka.
6) "Contos Fantásticos" (edição L&PM Pocket), Guy de Maupassant.
7) "Madame Bovary", Gustave Flaubert.
8) "Odisséia I - Telemaquia" (edição bilíngue e em três volumes da L&PM Pocket), Homero.
9) "O cortiço", Aluísio Azevedo.
10) "Esaú e Jacó", Machado de Assis.
11) "O Ateneu", Raul Pompéia.
12) "A dançarina de Izu" (Izu no odoriko), Yasunari Kawabata.
13) "Rashômon e outros contos", Ryûnosuke Akutagawa.
14) "Kyoto" (Koto), Yasunari Kawabata.
15) "Hojôki", Kamono Chômei.
16) Etc.

Fora as leituras, nestas férias quero catalogar direito meus livros, meus documentos do PC, fazer origamis bonitos, desenhar, ser relativamente sociável, escrever no meu diário, terminar minhas histórias. Isso enquanto me acabo de ansiedade pelos resultados do Nôryoku Shiken (exame de proficiência em Língua Japonesa), que por sinal me fez perder o reencontro com um amigo que eu não vejo há séculos, sendo que estou até agora sem cara pra marcar alguma coisa... Afs, enfim.

Fuckity fuck.

{Yomu = ler (simples); yomimasu = ler (polido); yondeiru = lendo (simples); JAP}

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Por que a educação é uma palhaçada?


Eu gosto de estudar. É estranho, até nojento, para alguns. Claro que eu não gosto de estudar tudo, tenho predileções por determinados assuntos acadêmicos – e não-acadêmicos. Mas quando me interesso por um tema, ponho a cabeça para funcionar e vou em frente; estudo. Por isso sinto um asco tremendo quando escuto os "entendidos" no assunto falando sobre a educação de maneira desleixada, sem sequer questionarem a si próprios: “eu gosto de estudar”? "Eu sei qual é a importância do estudo"? Sinto que falta autocrítica.

Meus 7 anos de vida escolar em uma escola pública estadual me fizeram criar um quadro da decadência do ensino aqui no estado. Claro, na época, eu era criança, e crianças não sabem quando um professor é bom ou não. Acontece que notei que a maioria dos meus professores, especialmente na 5ª série, não davam uma aula com conteúdos, com um esquema previamente organizado... Mais tarde, deduzi que isso podia se dar porque os salários dos professores eram degradantes. Ninguém que tem que lidar com várias turmas de, no mínimo, 30 alunos, durante - sei lá - 200 dias letivos, merece ter remunerações tão ridículas. É um fator importante a se considerar, mas não é tudo.

Com o tempo, percebi que não se falava em vestibular, universidade; na verdade, às vezes, os professores me pareciam completamente descrentes nas nossas capacidades como alunos. Percebi que eles não queriam falar em lista de conteúdos, punições, etc. Isso é feio de se falar. “Pobres alunos! O ensino não tem que ser doloroso, tem que ser prazeroso, e as novas pedagogias me dizem para respeitarmos as capacidades individuais de cada um dos 30 alunos enquanto pergunto para cada um dos 30 alunos o que eles querem aprender em sala de aula. Para quê uma lista de conteúdos, não é? Eles nem vão prestar vestibular mesmo, afinal, já estão em uma escola pública, já são uns pobres derrotados que precisarão de auxílio do governo e de medidas paternalistas ad infinitum... Além do mais, pra quê aprender Trigonometria, pra quê aprender Português, pra quê aprender Ciências? Eles não vão ser nem engenheiros, nem advogados, nem médicos! E nem eu aprendi isso direito, já que matava as aulas do magistério e da faculdade, colava nas provas e fumava maconha enquanto pregava o amor livre”...

A sensação de uma escola pública era essa. “Não estou sendo pago e acredito nos novos métodos revolucionários de ensino da tia Zenaide, formada na universidade de Harvard em pedagogia sem um dia de trabalho em salas de aula reais”. A verdade é que ninguém quer se incomodar por tão poucos vinténs. Acontece que o preço a se pagar no futuro (aliás, no presente) é caro, pois aqueles alunos para os quais você não quis ensinar pormenores da Ciência, podem estar por aí, como auxiliares nos hospitais os quais você freqüenta. Mas isso ninguém considera quando vê aquele pirralhinho de 9 anos na sala de aula.

Na escola particular de freiras, eu notei com mais intensidade outra área da sociedade que está contribuindo para que a educação seja a merda que é hoje. Todo mundo sabe que a filosofia básica de uma escola paga é a mesma de qualquer outro estabelecimento de comércio: “O cliente tem sempre razão”. O problema disso é que dinheiro não é necessariamente sinônimo de boa educação. Os professores, em comparação com os da outra escola, deviam ganhar uma remuneração mais digna, ou seja, um estímulo a mais para trabalhar. Entretanto, o professor é um mero empregado, um serviçal, alguém que deve se curvar ao principezinho de boné e tênis da Nike, à princesinha de chapinha e bolsa Louis Vitton.
Acho que nunca em minha curta vida fui obrigada a presenciar disparates maiores do que os cometidos por colegas da escola particular. Afinal de contas, a falta de respeito era endossada pelos pais. E os professores eram contratados, logo, tinham que se submeter a grandes provações para (alcançarem o Reino dos Céus? não) receberem seu salário no fim do mês.

A outra ponta podre da sociedade são os pais, obviamente. É tão fácil dizer “sim, filhinho” e ser agradável, em vez de dizer “não, senta a bunda na cadeira e vai estudar!”... Agora, é engraçado que esses mesmos pais que adoram vestir os filhos como bonecos, com as melhores roupas do momento, com os melhores acessórios, ficam indignados com a mensalidade do colégio, com o preço dos livros e do material escolar.

O problema maior é que toda a sociedade enxerga a escola como um clubinho de passar o tempo e fazer novas amizades. Ensino, estudar? O que é isso? Para que serve se não me dá dinheiro, se não me dá resultados imediatos? Por que eu estou aprendendo isso se, como sei prever o futuro (assim como todos os adolescentes), estou ciente de que não vou usar esse conhecimento nunca na minha vida?

Poucos querem estudar porque vêem a importância do conhecimento, porque vêem que a educação abre portas dentro e fora do Brasil. As pessoas não querem entrar em uma universidade para aperfeiçoarem o seu saber; a maioria só quer entrar porque sabe que o diploma dará um emprego com melhor remuneração, será bonito no currículo.
E os jovens não são, em sua maioria, sábios, conscientes e bonzinhos a ponto de saberem o que é melhor para eles na época da escola. Quem acredita no contrário certamente nunca teve contato com crianças e adolescentes, ou simplesmente não quer enxergar a realidade.

O que algumas pessoas defendem é que o ensino tem que ser democrático, que o aluno tem que escolher os conteúdos que quer aprender, que a universidade tem que ser aberta a todos, que o conteudismo é mau, feio e bobo e que o estudante que bate nos coleguinhas, nos professores e se recusa a prestar atenção nas aulas é só um coitadinho, um produto dessa sociedade má, feia boba e capitalista.

Está na hora de as pessoas que defendem essa realidade rosa e bege botarem o pé na realidade e notarem que, uma vez que você virou adulto, ninguém vai querer ouvir a sua opinião para tudo. Ambientes de trabalho são democráticos de uma forma geral? Ambientes de convivência? As ruas são democráticas? Se eu um dia decidir que posso andar com o carro em cima da calçada, por cima dos pedestres, vou ficar impune?

Além do mais, o que uma criança normal, o que um adolescente sabe sobre áreas do conhecimento? Uma criança "média" brasileira não está nem aí para as continhas e as letrinhas; ela só quer brincar, jogar futebol, saber de cor a letra e a coreografia do último funk da moda. E do que adolescentes, de qualquer classe social, etnia e time de futebol querem saber? Sexo, drogas, BBB, Pânico, A Fazenda, futebol e a letra e a coreografia do último funk. Trigonometria, Machado de Assis, Química Orgânica e revolução de 1968 não estão em pauta.

Nenhum desses alunos entende, se um professor não explica, que a gente aprende Gramática e estuda Literatura para escrever melhor e se expressar melhor na hora de falar; que aprendemos Matemática porque ela está simplesmente presente em TUDO, e você vai precisar dela pelo menos para não ser enganado pelo Governo, pelos bancos e pelo monte de espertinhos que a cultura do jeitinho brasileiro criou; que aprendemos Ciências para não cairmos no conto do primeiro milagreiro que aparecer com um santo remedinho para curar todos os nossos problemas; que aprendemos Geografia para nos orientarmos (ou nortearmos) e sabermos que entrar na Coréia do Norte de gaiato e perguntar pelo McDonald's e pela liberdade de expressão não são atitudes sábias; que estudamos História para entender o mundo de agora e para não cair nas mesmas falácias que nossos antepassados.

Já a história da universidade aberta a todos, estou até agora sem entender.
É curioso como todos querem ganhar o diploma, mas ninguém quer suar a camisa para consegui-lo. Usam o argumento de que o processo do vestibular é elitista e excludente, mas, filhos, a idéia É ESSA! Nem todo mundo pode ou consegue continuar estudando depois que já virou maior de idade, ou porque tem que trabalhar para se sustentar, ou porque simplesmente nunca se interessou muito por estudo.
Vocês têm idéia do preço de cada aluno que resolve se matricular, vocês tem idéia da estrutura física e acadêmica necessária para comportar tantos alunos sem perder a qualidade do ensino? Aliás, melhor dizendo, vocês tem idéia de quanto custa um aluno que vive rodando em cadeiras por não ser apto a entender os conteúdos ensinados?

Ninguém pode chegar na universidade sem base para suportar a carga de conteúdo passada, e se você abre as portas da faculdade para todo mundo, sem se perguntar se o aluno é capaz de ler, interpretar, resolver equações matemáticas mais refinadas, diferenciar aspectos do relevo do próprio país, reconhecer obras da literatura, compreender e memorizar fatos históricos, etc., muita gente acaba rodando, muita gente acaba gerando gastos excessivos, e o país não ganha absolutamente nada em qualidade de ensino.

Sejamos realistas: vocês acham que o fato de o Governo obrigar as universidades a admitir todo mundo e entupir salas de aula vai resultar em salários para os professores universitários proporcionais ao tamanho da incomodação? Vocês acham que as verbas vão aumentar gritantemente para o melhor acomodamento dos alunos? Não. Isso vai criar para as universidades o mesmíssimo problema que eu, com 11/12 anos de idade, fui capaz de notar na minha escola pública: remunerações humilhantes, professores desmotivados e com formação acadêmica duvidosa e autoconfiança minada, alunos mimados pelo próprio sistema.

O que me dá mais medo é escutar de colegas da Licenciatura, um entusiasmo quase infantil com novos métodos revolucionários de ensino que vêm para derrubar o autoritarismo e o conteudismo vigente na educação brasileira. De que ano são essas pessoas? De que escolas elas vêm?

Porque, dos três colégios que eu estudei - o público estadual, o particular de freiras e o federal militar -, só o militar tinha lista de conteúdos, objetivos de aula, avaliações bimestrais pesadíssimas, e ele é considerado hoje o melhor colégio de Porto Alegre, um dos únicos que realmente dá a base necessária para o aluno entrar em uma universidade. Então elas criticam um método que dá certo, que é uma ilha de eficiência em meio ao ensino caótico e mambembe do resto do país? Eu posso dizer com toda segurança que os conteúdos que tive que memorizar para as provas do colégio e para o vestibular me fizeram criar mecanismos para estudar melhor. Graças à tão odiada decoreba, tenho base para compreender idéias mais refinadas. Se não tivesse decorado a tabuada do 9, eu levaria anos para entender por que raios o dono do armazém me deu o troco de 65 centavos para os 5 reais que eu dei para comprar minha 29 balinhas bagaceiras de 15 centavos.

Eu sofri na hora de estudar Matemática, Física, Química, mas o sofrimento faz parte do processo. Para cada direito, um dever. Para cada conquista, várias gotas de suor. Hoje em dia todo mundo só quer o bônus, ninguém quer o ônus. Todos querem ser médicos, mas ninguém quer estudar fisiologia, microbiologia, parasitologia, patologia. Todos querem ser advogados, mas ninguém quer redigir o processo. Todos querem ser políticos, mas ninguém quer ter o trabalho de melhorar o país.

O que me dói é que a média mínima para entrar no curso de Pedagogia da UFRGS é 463,5 - isso sem citar as vagas com cotas raciais e sociais -, segundo o vestibular de 2009. Vocês sabem o que é isso? São pessoas que não conseguiram um resultado sequer medíocre em todas as matérias cobradas; pessoas que tem um resultado abaixo da média em Português, Matemática, História, Geografia, Literatura, Biologia, Química, Física e Língua Estrangeira. São as pessoas que vão dizer, ou melhor, já dizem como a educação tem que se comportar no nosso país.

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Resumo para os preguiçosos:

1) Nossos professores tem salários humilhantes;
2) Muitos professores são desqualificados, não entendem os próprios conteúdos, não têm confiança nos próprios métodos, acreditam nas histórias da tia Zenaide, a pedagoga formada em Harvard com experiência prolífica em salas de aula imaginárias, e o Governo está pouco se lixando para isso, porque o que interessa é que tá todo mundo na sala de aula, independente da qualidade do ensino (aliás, pra quê ensino se você tem um curral eleitoral?);
3) A escola virou um clubinho de socialização, para integrar o pessoal da comunidade, com galeto de Dia das Mães, grafitagem e futebol;
4) Como os pais não querem se incomodar com a educação básica dos filhos, o professor ganhou um novíssimo título: educador (também conhecido como "babá que cuida da criança no clubinho de socialização");
5) Querem que o aluno diga para o professor o que tem que ser ensinado em sala de aula, mas querem que o aluno respeite o professor. Uma contradição, enfim;
6) Querem que todos sejam igualmente, democraticamente e pessimamente formados em instituições de ensino fundamental, médio e superior de qualidade sofrível e risível;
7) Quem não gosta de estudar e não entende a lógica de receber conhecimento é quem dita os parâmetros da educação;
8) Facilitar os processos seletivos das universidades é, pela lógica moderna, democratizar o acesso à universidade. Até aí, ninguém sequer falou em qualidade, ninguém falou em melhorar o ensino básico para tornar alunos de classe baixa aptos a disputar um vestibular com um filho de uma pedagoga de classe média/alta. O importante, afinal é botar todo mundo dentro, bem democraticamente. Democrático como a reforma ortográfica, democrático como o seu chefe perguntando qual salário você acha que merece, democrático como todas as leis criadas para aumentar os salários dos deputados, democrático como a determinação de trocar os vestibulares das universidades pelo ENEM. Ou seja, uma educação voltada para a realidade democrática do mundo lá fora.


(Saio voando, feliz como uma borboleta pelos campos estercados da vida.)

terça-feira, 14 de julho de 2009

Pecados sociais?

A Igreja Católica sempre gostou de ter a imagem de reduto moral, mesmo porque isso lhe conferia grande influência entre os fiéis. Hoje, com o surgimento sem resistência e a rápida popularização de inúmeras igrejas evangélicas, ela tenta reaver a sua fama atualizando a lista de pecados para se adequar a uma realidade que os antigos parâmetros não previam. Na prática, pelo menos dois dos novos "atos pecaminosos" são revestidos de um pensamento simplista que pode interferir em questões importantes de maneira negativa.

Um dos novos pecados incorporados à lista diz respeito às modificações genéticas, as quais a Igreja considera erradas. A idéia por trás disso é simples, mas denota falta de visão e de conhecimento do assunto: o alto clero não quer que seres humanos "brinquem" de Deus. Todavia, ser capaz de manipular genes e criar ou modificar espécies em laboratório não significa criar quimeras ou monstros, diferente do que muitos pensam. O rebaixamento de uma técnica a pecado demonstra que a Igreja não sabe muito bem do que está falando. A modificação genética, em geral, diz respeito ao melhoramento de vegetais ou animais para produção em larga escala e sem perdas, com finalidade de abastecer o consumo humano. Assim, a Igreja ignora que, se não existissem essa e outras técnicas semelhantes, o mundo provavelmente viveria como na Idade Média, passando por ondas de fome e apresentando casos de canibalismo humano decorrentes dessas.

Outro ato considerado "pecaminoso" agora é o de enriquecer muito. Isso se baseia na idéia deturpada de que, para tornar-se rico, é necessário roubar ou "pisar" em outras pessoas. Na verdade, isso já é defendido pela Igreja Católica há muito tempo; a pobreza sempre foi vista por ela, pelo menos oficialmente, como uma virtude. Esse tipo de conceito, vindo de uma instituição que influencia tantas pessoas, representa um preconceito social - como há alguns séculos essa mesma organização instituiu o preconceito étnico e cultural ao dizer que negros não tinham alma e que a cultura indígena era mais atrasada. O clero esquece que a própria instituição católica é extremamente rica - possui um país, com guardas, catedrais e igrejas com ouro, além de funcionários em vários países - e, pelo que se sabe de sua história, não alcançou isso sem roubar terras, matar "infiéis", mentir para populações inteiras e consentir com atos não tão nobres que lhe fossem convenientes.

Desse modo, a Igreja interfere, com suas idéias pouco lógicas e bastante hipócritas, em melhorias tanto no nível pessoal, como no mundial. O seu repúdio às modificações genéticas feitas por humanos e o seu pensamento simplista quanto ao acúmulo de dinheiro podem contribuir enormemente para o atraso humano, uma vez que uma organização com o seu porte ainda tem poder de influenciar pessoas que não sabem diferenciar o pessoal do social, o religioso do laico. Em vez de criar listas inúteis, a Igreja Católica poderia usar seu tempo para distribuir suas riquezas, que agora viraram pecado, ou seguir o exemplo de Mendel, monge católico e pai da genética, e ir estudar algo mais proveitoso.

(Publicado no Jornal da Redação do curso Unificado, na edição de Agosto de 2008 - ano 12, nº 40.)

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Vocês não têm idéia da dor que dá ao reler um texto escrito há um ano...:S
Eu basicamente quero reescrever tudo, cortar coisas, adicionar outras... Gaaaaaaah!

Bom, dirty little secrets: eu esqueci o título dessa redação. O que inicia essa postagem foi atribuído pelos professores do Unificado para poder publicar o meu texto. Morri de vergonha quando recebi essa tranqueira corrigida e vi que tinha esquecido de, digamos, A PORRA DA PARTE MAIS IMPORTANTE DA REDAÇÃO!!!Dx
(Tá, não é a parte mais importante, mas poxa, é a apresentação de todo o conteúdo em síntese!)
Na UFRGS eu não teria passado, mas o corretor do meu texto foi bonzinho.:)

Lendo todas as outras redações publicadas, percebi que, bom, eu me exaltei um pouco.
Mas religião é ódio.;)

Jaa!o/

Precisamos de Luxo

A humanidade precisa de luxo tanto quanto precisa de artigos de primeira necessidade. Levando-se em conta a sua definição de "exclusivo", e ignorando-se a superficialidade com que o caracterizam, luxo é ter tempo, assim como é deter individualidade.

À parte do seu conceito clássico, uma vida luxuosa não precisa ser propriamente repleta de riquezas materiais, futilidades e inutilidades. Na situação do mundo moderno, o tempo, por exemplo, é um recurso do qual poucos desfrutam, sendo, portanto, raro e custoso. No ritmo acelerado em que muitos vivem, ter alguns minutos do dia para dedicar-se a fazer algo relaxante, ou para simplesmente gastar sem fazer nada específico, é uma dificuldade. Para aqueles que exercem ofícios com baixa remuneração, deixar de trabalhar não é escolha; necessidades mais primárias precisam ser supridas, afinal. Para os não tão pobres, mas que visam ao lucro, parar é desperdiçar tempo e chances de adquirir artigos menos importantes. Quem realmente pode ou não se aflige ao desfrutar desse recurso exclusivo tem um pouco de luxo em sua vida.

Além de tempo, personalidade própria também é algo a se considerar um artigo de luxo. São poucos aqueles que conseguem, mesmo com toda a influência das mídias, das dificuldades da vida, dos discursos sedutores, manter a individualidade - a propriedade de ser único e ter também idéias próprias -, sem que essa característica se alie necessariamente ao egoísmo. Há uma tendência de os seres humanos naturalmente se guiarem pelos seus semelhantes, o que não é ruim, nem condenável. Entretanto, a maioria acaba se acomodando a essa situação e dependendo quase que totalmente das ações de seus grupos religiosos, sociais, econômicos, políticos. Essa acomodação acaba por descaracterizar os homens como indivíduos e torna-os o que popularmente se chama de "massa de manobra", fazendo com que a personalidade própria seja uma raridade.

O luxo, portanto, não se restringe a bens materiais e fúteis. Ele pode ser muito bem-representado pelo tempo livre, do qual determinadas pessoas sequer ouviram falar, bem como pela individualidade, pela capacidade de não só seguir, como também criar tendências e idéias e ser reconhecido por elas. Desse modo, pode-se dizer que pensar, refletir, indagar é também um luxo, visto que, para isso, é necessário tempo e ponto de vista próprio.


(Publicado na Antologia do Velho Casarão da Várzea, impresso do CMPA, no ano de 2008, quando eu estava no 3º ano do Ensino Médio. Também publicado no Jornal da Redação do curso Unificado, na edição de Junho de 2008 - ano 12, nº 39.)

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Fora de contexto, minha redação ficou meio retardada, mas acho que dá pra entender o espírito da coisa... O tema era, obviamente, "luxo". Eu estava no 3º ano do Ensino Médio, há muito tempo... em 2008. ;D
A redação do outro simulado do Unificado foi publicada em outro Jornal da Redação, pra minha felicidade. Mas... fica pra próxima. Ai, aquelas aulas com o Wolf...*-*
(Nem posso falar, matei muitas.:B)

Ah, a pessoa da imagem é a Coco Chanel, pra quem não conhece.

Jaa!o/

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Carta de Não-Suicídio

[por Luísa Vanik]

Destino essa pequena carta a aqueles que culpo diretamente pelo meu não-suicídio: minha família e amigos.

Informo-os desde já os motivos pelos quais venho me não-suicidando. Começando pela razão supracitada: o fato de vocês serem tão imperfeitos e não me compreenderem durante cem por cento do tempo. Isso me obriga a procurar cada vez mais pessoas que tenham algo em comum comigo. Pessoas que preencham as lacunas deixadas por vocês. Assim, meu círculo e minha variação de tipos de amigos aumenta, do mesmo modo, cada vez mais; conseqüentemente crio mais laços, algo que praticamente me obriga ao não-suicídio!

Outro motivo para esse ato (ou não-ato) é o mundo. O mundo é deprimente, considerando sua situação geral. Veja bem: as pessoas se odeiam, vivem na miséria material e na miséria intelectual ou espiritual. Elas fazem mal aos outros e a si próprias e depois não entendem porque suas vidas andam para trás (ou simplesmente param). Aí sinto um aperto imenso no coração, um misto de raiva e vontade de fazer algo para melhorar o mundo – então vem à minha cabeça a louca idéia do não-suicídio, novamente...

O que também me provoca essa vontade insana é a minha própria situação. Não nasci rica, superdotada, bonita e plenamente satisfeita na vida. E, como se não bastasse, o passar do tempo não me espera decidir por onde começo! Agora vocês entendem, não é? É inevitável essa fixação pela idéia de não conceder a morte a si mesmo. Acabo sentindo um crescente desejo de buscar tudo o que não tenho...

Por último motivo – e talvez seja este o mais poético -, tomo a janela de meu apartamento de terceiro andar. Neste exato momento, olho-a com um pensamento insensato. Lembro-me de pessoas que vivem a alguns seis ou sete andares acima do meu e também olham para a janela, mas com outro tipo de idéia. E então reflito: onde está a poesia em mergulhar no concreto sujo das ruas, em meio a carros barulhentos e transeuntes indiferentes? Ainda prefiro minha idéia não-suicida de olhar para o céu e imaginar mil coisas que possam me ajudar a alcançar as nuvens alaranjadas do pôr-do-sol, sem ter que para isso chegar perto do trânsito e dos passantes.
É, parece-me mais razoável o meu doido suicídio ao contrário. Talvez meu próximo passo seja propor um não-suicídio coletivo...

Sem mais considerações a fazer, saúdo-os com um enérgico “olá, mundo cruel; aqui estou para desafiá-lo (e sensibilizá-lo, se o senhor permitir)”...


(Publicado na Antologia do Velho Casarão da Várzea, impresso do CMPA, no ano de 2006, quando eu estava no 1º ano do Ensino Médio.)

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Texto antigo, mas vale ainda.
Ainda mais depois que duas cadeiras diferentes decidem cobrar "Os Sofrimentos do Jovem Werther", do seu Goethe...:S
O Werther é um chato, assim como todos os indivíduos com tendências suicidas. Tanto que a minha interpretação para o suicídio do Werther não tem nada a ver com o amor impossível pela Charlotte. É só egoísmo mesmo. Tanto que ele resolve se matar próximo ao Natal, com uma sordidez impressionante, pra dar um impacto maior. Ele chega a se regozijar em antecipação só de pensar nas lágrimas que a sua querida Lotte vai derramar por ele. Ah, vá a merda. Isso não é amor.:P

Mas esse até é um bom livro. Tem alguns momentos de reflexão e de análise do amor bastante encantadores.:)

Jaa!o/

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Ninguém que ficar só

[por Luísa Vanik]

Existe, nas sociedades humanas, uma cultura de supervalorização do relacionamento conjugal. Em decorrência disso, as relações entre indivíduos freqüentemente acabam se estabelecendo sobre os princípios da hipocrisia e da comodidade, o que resulta em sentimentos de insatisfação emocional, e pode criar para as pessoas uma impressão negativa de uma associação humana que deveria ser encarada com prazer e alegria.

A idéia de que “socialmente correto” é nunca estar sozinho tem explicação racional. A combinação de indivíduos sempre foi uma estratégia biológica, com a finalidade de principalmente gerar descendência; desde a Antigüidade Oriental até tempos mais recentes, sabe-se que as uniões, para os nobres, também tinham parte no estabelecimento das relações de poder e, para o povo, representavam uma estratégia de sobrevivência no mundo. Essas concepções de casamento como “necessidade” ou como “ferramenta de domínio” continuam, mesmo que inconscientemente, arraigadas no imaginário humano. A sociedade de hoje concebe o relacionamento entre duas pessoas como prova irrefutável de competência fisiológica; afinal, se uma pessoa é capaz de se unir a outra, ela cumpre teoricamente o seu papel na perpetuação da espécie. Por conta disso, criou-se o mito de que o “casal” seria uma entidade superior ao “indivíduo”, e, portanto, para que um sujeito se realizasse como ser humano, seria necessária a sua união a outrem.

Por conseqüência dessas idéias, muitas pessoas assumem relacionamentos sem estrutura para tal, crentes de que se completarão com a outra pessoa, independente da qualidade dos sentimentos envolvidos. Na prática, esses indivíduos frustram-se ao descobrir que os sentimentos de necessidade, curiosidade e interesse que os uniram não são suficientes para manter uma relação baseada em carências individuais e reconhecimento social. Por comodidade, muitos prosseguem com a convivência. Disso decorrem as crises de auto-estima, os assomos de egoísmo e as traições, como forma de punição ao outro – por não corresponder às expectativas de tornar feliz o seu par – e a si próprio – por não ter sido capaz de alcançar a satisfação plena, o que deveria ter ocorrido pelo simples fato de ser cumprida a convenção de se unir a alguém.

O culto ao pareamento de pessoas deve ser, portanto, analisado com certo cuidado. Embora a tendência de associação entre indivíduos cumpra um papel importante na História da humanidade, o costume de ver o casamento como atestado de competência social e como reduto de soluções e felicidades frente às carências e questões individuais pode ser nocivo para todos os envolvidos. Uma relação que requer a anulação de sentimentos individuais não sobrevive aos menores atritos.



Fazia um tempinho que eu não tinha que escrever uma dissertação...@_@
Devido às comemorações de Dia dos Namorados, acabei tendo idéia para esse tema.
Antes que venham as pedras, as cruzes e os insultos, um esclarecimento: não sou contra relacionamentos (o que seria uma completa burrice, se fosse o caso). Sou contra relacionamentos convencionais, que se dão por moda, necessitam de aprovação alheia e se baseam meramente na idéia de "vamos fazer, já que tá todo mundo fazendo". Tenho até um certo romantismo por acreditar em amor único e verdadeiro; contudo, não consigo acreditar que seja possível encontrá-lo na primeira esquina disponível.
Fora isso, sou solteira e mal-amada - e uma das tantas que se deprime com o Dia dos Namorados.;)

Jaa!o/

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Limpeza

[por Luísa Vanik]

A casa estava suja. A Senhora ainda estava parada na entrada quando viu as partículas de poeira flutuarem diante de seus olhos amendoados. Piscou algumas vezes para que seus cílios dourados repelissem aquilo. Sabia que ele não seria capaz de mudar um alfinete de lugar depois que ela fosse embora. Como era previsível! A sala estava abarrotada de jornais empilhados; os balcões, cobertos de louça não lavada e latas de refrigerantes. O piso... ah! Ela não queria olhá-lo, mas foi inevitável. A madeira, outrora brilhante, estava opaca; o pó formava quase um tapete. Havia até cinzas de cigarro caídas. Aquele lugar estava parado no tempo.

A mulher jogou sua cabeça para trás, num gesto que lhe era característico, fazendo com que as pontas de seus louros e lisos fios de cabelo – agora um tanto curtos – roçassem em seus ombros nus. Ela sentia cócegas e se acalmava momentaneamente com a sensação. A Senhora largou as sacolas que tinha em mãos no chão da sala e prosseguiu com sua inspeção pela casa. Ele não voltaria tão cedo; era seu horário de trabalho. A gaiola do canário estava vazia de vida, mas o homem não se dera ao trabalho de limpá-la e guardá-la. O mesmo se podia dizer das violetas murchas na janela.

Um dia houvera amor ou algo semelhante, pois ela bem sabia apreciar as qualidades dele. O problema é que jamais aprendera a apreciar os seus defeitos. Não sabia como lidar com o ódio que sentia pelos pequenos escárnios do cotidiano, como na primeira vez em que ele a chamara de Senhora, por brincadeira. Ela tinha apenas três anos a mais! Talvez, para ele, parecesse uma boa piada dizer que havia se comprometido com uma “coroa”. A mulher se olhou no espelho ao lado da escada: seu corpo era esguio, sua estatura média. Ela se esforçara para manter aquelas proporções, mas havia cometido o pior dos pecados: nascera antes dele. Não só isso. Preocupava-se com a carreira e com a casa – e dava conta das tarefas. Talvez se preocupasse demais mesmo; era a maldição da competência. Esperava que ele também tivesse ambições e que também fizesse o possível para conseguir alcançá-las. Contudo, sua maior pretensão era conseguir ir ao bar depois do serviço. Não queria crescer; queria um diploma medíocre, um emprego estável, uma esposa conivente. Ou melhor, não queria uma esposa, mas uma mãe. Alguém que lhe dissesse a hora de dormir, de acordar e de criar juízo. Estava cansada daquela vida de babá. Ela queria só um companheiro.

Quando subiu as escadas e entrou no quarto de casal, o salto do seu sapato parou de fazer o barulho de madeira contra madeira. A Senhora olhou para os pés e viu um bolo de fotos espalhadas pelo chão, retratos de uma vida aparentemente feliz. Como era fácil fingir que estava tudo bem! Alguns anos se passaram e os sorrisos pareciam os mesmos. Claro que parte da culpa era dela; havia deixado passar tantos comentários, tantas pequenas traições, tantas grandes traições... O descaso dele seria inevitável. Já iniciaram o relacionamento morando naquela casa, que ela adquirira após seu primeiro bom negócio; nunca construíram nada juntos, tudo sempre foi fácil demais. Agora era hora de fazer uma faxina.

A Senhora abriu a última gaveta de sua penteadeira com seus longos dedos, de unhas pintadas na cor de grafite, e recolheu alguns documentos. Abriu a bolsa que trazia a tiracolo e guardou-os. Encaminhou-se para o banheiro, abriu o armário com espelho, pegou o batom de sua cor preferida, páprica, e passou-o sobre os finos lábios. Raramente o havia usado, já que não era a tonalidade predileta dele. Combinava bem agora com a sua blusa alaranjada. Ela sorriu. Foi até a cozinha de azulejos brancos – agora amarelados pela falta de cuidados – e abriu a geladeira. Refrigerantes, comida congelada e algo na gaveta das verduras que fez com que suas narinas se estreitassem mais do que o comum. Nada de importante. Nem na lavanderia, nem no quarto onde ela amontoava seus pertences da infância... Não havia nada de importante naquela casa, a não ser a luz do sol da tarde, que entrava pela janela da sala ultrapassando as cortinas das quais ela tanto gostara um dia. Agora elas cheiravam a tabaco e lembravam o dia em que ela o encontrara naquele sofá verde-musgo com uma outra mulher. Já o havia perdoado. Tanto fazia; ele não era mais ninguém. Era apenas uma partícula de poeira flutuante na sua vida.

A mulher abriu os pesados embrulhos que deixara largados no meio da sala. Refez toda a sua trajetória pela casa derramando o produto de odor característico sobre os seus adorados móveis de cerejeira e o chão de tacos. Com certeza o cheiro melhoraria como sempre melhorava. A Senhora normalmente limpava não porque sentia prazer nisso, mas porque a imundície lhe incomodava profundamente; porque a idéia de viver em um ambiente infecto lhe causava asco. Aquele homem bem sabia disso, mas não se importava. Era mais viril zombar e fingir indiferença. Tudo bem, ela limparia a sujeira dele de bom grado, mas seria a última vez.

Quando a Senhora finalmente atingiu a varanda, ela suspirou aliviada. Havia terminado. Juntou a sua bolsa, saiu da casa e, antes de trancar bem a porta, jogou para dentro alguns fósforos acesos. As labaredas só se pronunciaram bem mais tarde.

Pronto; agora a casa estava limpa.


[Baseado no conto "Apelo" de Dalton Trevisan.]

Ficção para a disciplina de Produção Textual.
Hmmm... Creditem?:D

Jaa!o/


quarta-feira, 13 de maio de 2009

Projeto Purgatório

[Escrito por Luísa Vanik]

Existem várias maneiras de se educar uma pessoa. Para indivíduos diferentes, métodos diferentes. Contudo, existe um método que é aplicável a quase todos os seres humanos relativamente normais que não conseguem se disciplinar na base da conversa amigável: o da vergonha e da culpa.

Quando era pequeno, minha mãe raramente se utilizava da força física para corrigir as minhas faltas. A sua tática também não incluía Deus, nem meu pai, nem o padre ou qualquer semelhante. Para efeitos didáticos, minha mãe aumentava drasticamente o problema, fazia-o parecer gigante, assustador e... vergonhoso. Passava o dia falando sobre o assunto; incentivava os adultos à volta a me reprimirem também, e isso era sempre o pior – os olhares de reprovação lançados sobre o criminoso. Antes do fim do dia eu já estava implorando para que ela me batesse e me proibisse de jogar bola com os amigos.

Nunca pretendi ter filhos, nem ser professor, mas quando vim morar na capital, em um enorme complexo de apartamentos de tamanhos variáveis, compreendi a utilidade que poderia ter tal conhecimento. Na época, trabalhava ainda como mero auxiliar em uma das rádios locais, ajudando nas pautas de programas, calibrando equipamentos, servindo cafezinho e fazendo papel de escravo para os produtores e radialistas. Era solteiro e de poucos amigos, nunca fui de socializar. Meu primeiro lar fora da casa materna foi uma kitchenette – pequena, mas confortável e, principalmente, minha -, em um prédio ironicamente nomeado “Paraíso”. Na condição de morador desse prédio, conheci o verdadeiro inferno.

Morar em um apartamento significa estar cercado de estranhos por todos os lados.

Sobre a minha cabeça, por exemplo, vivia um casal que, de segunda a domingo, das onze e meia até às quatro da manhã, se divertia com a mais antiga brincadeira adulta da humanidade. Não em silêncio, obviamente. Todos os dias, minhas horas de sono eram retardadas ou interrompidas por demonstrações efusivas e extáticas, com direito a batidas ritmadas por um pé de cama desnivelado. Já é difícil aceitar que as pessoas façam sexo quando você não pega nem um resfriado; ser então parte de uma orgia sem corpo presente é ainda mais frustrante. E, poxa, todos os dias!

Eu ignorava que alguém no andar imediatamente abaixo do meu pudesse causar algum problema. Apenas quando fui recolher pela primeira vez minhas roupas penduradas no varal exterior e senti um cheiro inconfundível de mato queimado, misturado com incenso vagabundo de patchuli é que me dei conta de que estava redondamente enganado. A vizinha do quinto piso era hippie, para minha satisfação.

Meus vizinhos adjacentes também não facilitavam a convivência: de um lado, um criadouro de cães, cujo odor chegava a atravessar as finas paredes em certos dias; do outro, um incorrigível fã de rap, sendo que todos sabem que a qualidade do gosto musical é inversamente proporcional ao seu volume.

A fauna era tão prolífica que eu sentia pena da síndica. Provavelmente sou a única pessoa do mundo que sente pena do síndico, aquele carrasco responsável por mandar o volume da festinha abaixar, por pedir que as pessoas não deixem seus lixos nos corredores do prédio, por avisar que a reforma do telhado vai causar um aumento na taxa do condomínio, por tentar conter os ânimos na reunião de condôminos.

Ah, a reunião de condomínio! É nessa agradável confraternização que você conhece o rosto dos seus algozes, e descobre que mora com criminosos em potencial (ou em atividade mesmo). Nunca vá a uma reunião dessas quando a sua fé no bom senso da humanidade estiver baixa. Foi numa dessas que tive a primeira idéia para meu projeto.
Já com três anos de trabalho na rádio, alguns programas relativamente populares no currículo, os chefões permitiram-me criar e conduzir uma atração para o horário do almoço – uma concessão e tanto.

A idéia surgiu, como eu disse, em uma reunião de condôminos. Fui acusado de ferir o gato fugitivo da senhora do oitavo andar. Os adesivos antigato especialmente colocados no meu tapete da frente da porta haviam funcionado. O “pobre Sultão” estava sem alguns chumaços do pêlo. Eu, em contrapartida, amanhecera os dias anteriores sem os excrementos do animal premiando meu capacho. Tive que ouvir um discurso de vinte minutos sobre como meu ato criminoso havia tornado Sultão um gato traumatizado; contive-me para não responder com um sermão de mais vinte minutos acerca de como pessoas insuportáveis são dadas a animais de estimação, já que estes não podem expressar opinião e abandoná-las por sua chatice, diferente de humanos. Por Deus! Estive a ponto de dizer que talvez Sultão estivesse querendo passar um recado bem claro com sua fuga, pra início de conversa...

Mas foi só quando um dos vizinhos do sétimo andar, recém-chegado, pai de duas crianças, voltou-se para o casal do meu andar superior é que eu percebi o que poderia ajudar a regrar aquele galinheiro. Disse ele em alto e bom tom: “Vocês dois poderiam ser mais silenciosos nos seus momentos de intimidade, pois as crianças já estão ficando assustadas com os gritos da vizinha”... Todas as atenções se voltaram para a cena. Os namorados pareciam Adão e Eva tomando consciência de sua nudez pela primeira vez. O vizinho foi contundente e continuou, apenas para garantir que sua mensagem fosse clara o suficiente: “É vulgar, e nenhum de nós tem obrigação de ouvi-los”. Senti minha alma sendo lavada e acrescentei : “Sugiro que vocês ponham um tapete sob a cama”...

Foi assim que surgiu o “Projeto Purgatório”, meu programa diário na rádio, “o serviço mais eficiente de reabilitação de vizinhos sem noção”.

O produtor chegou a me perguntar: “Tony, você acredita mesmo que isso vai servir pra algo além de atrair uma audiência absurda por causa dos ‘barracos’”? Ao que lhe respondi: “Por que não? Recebemos a ligação de um delator, mandamos alguém atrás do criminoso. Se ele admitir o erro e mudar, uma semana ou um mês ou um ano depois voltamos para averiguar a situação e lhe damos uma premiação – se não, o prêmio fica com o vizinho que fez a denúncia. Você já assistiu àquele programa em que a babá ajuda a educar a família? Pois é”...

Diante dessa esquematização, minha proposta foi aceita e meu primeiro programa do projeto foi ao ar. Na triagem da primeira edição, recebemos um telefonema interessante: “Olá. Gostaria de denunciar meu vizinho, Jan Koller. Todas as manhãs em que acordo mais tarde, ele rouba o jornal da minha porta. Vocês podem não acreditar nisso – nem eu acreditava no início -, mas passei a controlar e cheguei a instalar uma câmera em frente à minha porta – tenho os vídeos gravados. Espero que este programa me ajude a reeducar esse homem”.

A equipe decidiu fazer uma pesquisa primorosa antes de gravar o programa. A narração de todo o caso foi feita por mim da seguinte forma: “Jan Koller, 45 anos, é um homem aparentemente comum que trabalha na peixaria ‘Do Mar’, da rua 727. Sua vida como vendedor, no entanto, parece não satisfazer aos seus desejos mais obscuros, os quais ele prefere suprir com uma tara absolutamente condenável: o roubo dos jornais de uma senhora que acompanha agora este programa, a fim de se ver vingada de sua injúria. Agora, quantos de nós já não sofremos com a subtração de itens deixados à porta de nosso próprio lar? Quantos de nós não tivemos que suportar a humilhação de nos vermos furtados de objetos que adquirimos com nosso suado dinheiro, fruto do trabalho e do esforço próprio? Esse senhor, como criminoso que é, será por nós, do ‘Projeto Purgatório’, interpelado neste momento”. Em resumo, depois de alguns momentos realmente tensos, com intervenções da própria delatora, o senhor Jan confessou o pecado e prometeu não repeti-lo. “Esperamos que a promessa se faça real, pois o processo disciplinar não se restringirá a esse momento apenas... O ‘Projeto Purgatório’ e todos os envolvidos no caso do senhor Jan Koller continuarão a monitorar, por tempo indeterminado, as evoluções de comportamento deste criminoso em reabilitação. Façamos desse vizinho um homem melhor de se conviver”.

Depois da repercussão do programa, chegamos a adicionar uma mensagem padrão para incitar as pessoas a contribuírem: “Você tem alguma reclamação, alguma história pendente com a pessoa que mora ao seu lado? Ligue para a central do ‘Projeto Purgatório’ e nós analisaremos o seu caso. Porque já que a convivência entre vizinhos é inevitável, vamos torná-la algo suportável”!
O programa continua fazendo sucesso até hoje, o que prova que muitos indivíduos ainda têm algo a aprender como vizinhos. E existem várias maneiras de se educar uma pessoa sem noção. Mas, certamente, a mais eficiente é a da culpa e da vergonha.


[Conto baseado na reportagem de títuloDELAÇÃO DE VIZINHOS VIRA SENSAÇÃO DO RÁDIO NA REPÚBLICA TCHECA”]
Mais uma ficção, escrita para a disciplina de Produção Textual lá da faculdade.
Copyright dessa porcaria, né?;)

Jaa!

domingo, 26 de abril de 2009

Leia, leia, leia

Agora que meu curso está andando, que já estou fechando o segundo mês de aulas, começo a finalmente analisar um pouquinho tudo pelo que estou passando.

Uma das coisas que mais escutamos nas Letras é "um bom escritor é um bom leitor". O mesmo vale para um tradutor, obviamente. Ninguém escreve/reescreve/traduz sem ter base alguma. É simples assim: se você não tem o mínimo de referência, não tente bancar o legal e sair à la loca se achando o fodão e inventando história - nossa, que oração mais coloquialmente pleonástica. Enfim!

Mas existe uma coisa dessa conversa toda que me faz pensar (cheiro de fumaça no ar). Claro, eu não vou discordar do senso comum, do que é óbvio, que nós temos que ler pra caraca porque, oras!, faz parte do processo de tradução principalmente! Mas será que para um escritor não pode ser um pouco "prejudicial" passar a vida lendo o que outros escreveram antes.

[Pausa para ser atingida pelas pedras.]

Eu digo isso no sentido de que um escritor pode ficar tão maravilhado pela sua maravilhosa carga cultural e, bem... "esquecer" de ser original. Tanto em conteúdo como em técnicas. Quero dizer, original é muito difícil de ser realmente, mas se você fica procurando referências em lugares diversos, a dificuldade triplica. Ou não?

Já respondendo a mim mesma (aqui não há espaço para comentários contrários ;D), pensando de outra forma, ler pode servir para que você não fique achando que descobriu a América, a técnica mais inovadora da Literatura mundial, ou o conteúdo mais inédito possível, quando na verdade já existe cerca de 100 autores conhecidos ou desconhecidos que fizeram a mesma coisa.

Mas eu me pergunto como Aldous Huxley chegou no esquema de sociedade de "Admirável Mundo Novo" antes de 1932...

[Informação inútil: atualmente estou lendo "A Divina Comédia", de Dante Alighieri.]

Jaa!o/

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Lista

Dando uma remexida nos meus DVDs de backup, descobri os blocos de notas em que eu escrevia as postagens do meu primeiro blog. Numa dessas, encontrei esse questionário nada original; e acabei lembrando de como eu gostava de preencher questionários...:)
Ei-lo, com modificações.;D

Uma música que...

01) Me faz dançar: "Honey Come Honey", de Surface. "Meglio Stasera", do Michael Bublé. "Michael", de Franz Ferdinand.
02) Me faz feliz: "Ouchi ga Ichiban", da Koorogi Satomi, abertura do anime Chi's Sweet Home.
03) Me faz lembrar de um amigo(a): "Nobody Loves You", de Garbage. "You're My Best Friend", de Queen.
04) Me entristece: "Hitori Jouzu", da Nakajima Miyuki. "Creep", de Radiohead.
05) Me alegra: "Lollipop" ou "Grace Kelly", do Mika. "Robinson", de Spitz. "Bathroom", de JUDY&MARY. "moustache" e "L.Drunk", da Kimura Kaela.
06) Diz muito sobre mim: "dolphin", da Kimura Kaela. "Erase, Rewind", de The Cardigans. "Phoenix", do Kazuya Yoshii. "TACTICS", de The Yellow Monkey. "Ordinary Angels (cover)", da Bonnie Pink. "Little Miss", de bôa. "Spiralling", de Keane.
07) Me faz lembrar alguém significante: "Raindrops Keep Fallin' On My Head", do B.J. Thomas.
08) Tocaria no meu casamento: "Shine, My Star", ou "La Ronde Lunaire", da Origa.
09) Tocaria no meu funeral: "Bend and Break", de Keane.
10) Faz meus amigos lembrarem de mim: os que não são do Japonês provavelmente se lembram de mim pela "Tokyo Drift (Fast and Furious)", dos Teriyaki Boyz. Vivem me falando nessa música, pelo menos... Os do Japonês lembram de mim pela "Sanpo", da Azumi Inoue, tema de abertura de Tonari no Totoro.
11) Gostava, mas agora nem tanto: "Outsiders", de Franz Ferdinand.
12) Faria tudo para ouvi-la num show: "Crystal Ball", de Keane. "The Fallen", de Franz Ferdinand. "Grace Kelly", do Mika. "Kabukichou no Joou", da Shiina Ringo.
13) Gosto da letra: "Jidai", da Nakajima Miyuki. "Killer Queen", de Queen. "Take What You Take", da Lily Allen. "Broken hearts, citylights and me just thinking out loud", da Bonnie Pink.
14) Gostaria de acordar com: "la salle de bain", da Shiina Ringo.
15) Foi tema de um dos meus filmes favoritos: "Anata no Kokoro ni", da Nakayama Chinatsu e "Furui Nikki", da Wada Akiko, ambas de Kiraware Matsuko no Isshou.
16) Me faz pensar no sol: "Catch the Sun" e "Coast to Coast", da Bonnie Pink.
17) Me faz pensar na chuva: "Nocturne ~rain song~", do BUCK-TICK. "Pendulum", da Bonnie Pink. "Watch Me Fall Apart", de Hard-Fi.
18) Me faz pensar na noite: "Mayonaka wa Junketsu", da Shiina Ringo. "Sakamichi", da Bonnie Pink. "NO IMAGE", da Kimura Kaela. "dress", de BUCK-TICK.
19) Me faz pensar em sexo: "GINGER (feat. MONKEY MAJIK)", da Anna Tsuchiya. "Honnou" e "Kabukichou no Joou", da Shiina Ringo. "Feeling Good", do Michael Bublé. "Deli", de mor ve ötesi. "TACTICS", de The Yellow Monkey. "Touch", de Wolfsheim. "Rocking Horse", da Nakashima Mika.
20) Me faz pensar em amor: "Haiiro no Hitomi", da Shiina Ringo. "Everything", do Michael Bublé. "You and I", "Monster" e "Private Laughter", da Bonnie Pink. "Megami", da Sasagawa Miwa. "Koi wa Maboroshi", de Tokyo Jihen.
21) Não é do meu "tipo" mas eu gosto: "Astrosexy" e "STARSTRUCK", de m-flo.
22) Posso cantar bem: "Somewhere Only We Know", de Keane. "Downtown", da Petula Clark. "Kiss Me", de Sixpence None The Richer. "Sanpo", da Azumi Inoue (?).
23) Gosto, mas é só instrumental: "One", "Fade to Black" e "From Out of Nowhere", de Apocalyptica. "Partita III für Violin Solo in E", do J.S. Bach. "Cannon in D (Quarteto de Cordas)", do Pachelbel.
24) Queria ter a voz de: Kimura Kaela, Dido, Bonnie Pink ou Shiina Ringo.:)
25) Menções honrosas pelos clipes: "STARs" e "L.Drunk", da Kimura Kaela. "Shuraba" e "Killer Tune", de Tokyo Jihen. "Ringo no Uta", da Shiina Ringo. "Do You Want To", de Franz Ferdinand.

Tecnicamente....

- Bateria: "Sunday Bloody Sunday", de U2 (Larry Mullen Jr.).
- Guitarra: "Shuraba adult ver.", de Tokyo Jihen (Ukigumo/Nagaoka Ryosuke).
- Baixo: "Ulysses", de Franz Ferdinand (Robert Hardy).
- Teclado/Piano: "Don't Stop Me Now", de Queen (Freddie Mercury).
- Vocal (feminino): "Ishiki", da Shiina Ringo.
- Vocal (masculino): "Walk Away", de Franz Ferdinand (Alex Kapranos).


Jaa!o/

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Certificado de Perdedor

Reza a lenda que o prezadíssimo senhor H. residia em um muquifo situado numa larga avenida da cidade, de frente para a poluição sonora e de lado para a vista do próximo prédio.
Nunca o arrumava, pois sabia que cedo ou tarde acabaria mergulhado na sua própria bagunça novamente. Os bolos de poeira se acumulavam pelos cantos. A gordura das paredes já havia virado parte da pintura. De vez em quando ele tinha acessos de alergia, micoses, encontros com insetos variados, mas nada que os antibióticos e anti-histamínicos não resolvessem.

O senhor H. tinha um diploma bastante pomposo - ninguém (nem mesmo o próprio H.) sabia muito bem de quê -, pendurado na parede, ao lado de um outro certificado qualquer, e dava aulas. Sim, ele professava seus grandes conhecimentos aprendidos e fixados há cerca de duas décadas com orgulho. Aquele diploma já o havia salvado diversas vezes, era um grande companheiro seu frente às adversidades da vida e do mercado de trabalho.

O homem se dizia uma vítima do ritmo frenético do cotidiano em uma cidade grande, uma vítima do capitalismo enlouquecido, uma vítima daquela sociedade desigual, uma vítima de sua memória envelhecida, falha e corrompida, uma vítima de sua ex-mulher. Enfim, era ele, uma vítima. Incapaz de se adaptar aos valores modernos, ele permanecia mergulhado no seu saudoso passado, a época do 'paz e amor', das discotecas, do amor livre e dos embalos de sábado à noite. O que havia acontecido àqueles anos dourados?

O senhor H. não conseguia concluir nada do que iniciava. Não lhe interessava isso, ele não conseguiria de qualquer modo. Os cursos que havia iniciado estavam parados na metade; desistira pois queria mudar de horizontes. As pessoas a quem ele professava os seus ensinamentos eram muito apressadas; queriam concluir tudo algum dia, onde já se viu? Por isso acabava desistindo de seus empregos, mudando constantemente. Era um espírito livre, oras! Merecia mais do que um trabalho contínuo e entediante, uma vida difícil e repleta de obstáculos financeiros. Merecia mais, não era como os outros.

Ele já trabalhara em vários lugares, mas, como todo o gênio, não conseguira fazer aceitar seus métodos e seus horários (e já recusara tantos empregos por essas limitações de visão dos empregadores!). Vinha, tão paciente, passar seu conhecimento, sua experiência de vida àqueles jovens aprendizes; quanto mais, no entanto, ele professava, mais vorazmente os alunos lhe vinham com questionamentos - como gafanhotos, ele pensava, como gafanhotos. Para compensar os dias em que os bombardeios de perguntas eram maiores, ele se ausentava nas semanas seguintes. Eles deveriam compreender que aquele não era o seu ritmo! Aos poucos, além de todo o resto, o senhor H. estava se tornando vítima também de seus estudantes.

Toda essa gula, todo esse desespero jovem de saber e enumerar conhecimentos lhe causavam aflição, pois passava horas depois relembrando tudo o que não havia conseguido responder. Sentia-se inútil, impotente, perseguido e condenado, procurava alento em vícios diversos, alento que nenhum ser humano lhe conseguiria dar, pois era incompreendido por seus semelhantes. Via o mundo de ponta-cabeça, deprimia-se, cantava, chorava, colocava o som no último volume, perturbando a vizinhança, ria sozinho.

Acordava envergonhado, sentia-se o rei nu.
Na caixa de correio, a intimação da Justiça para pagar a pensão; na porta, um comunicado do condomínio pedindo que respeitasse o horário de silêncio; no computador, centenas de e-mails não-lidos de amigos, de alunos, de colegas. Na parede, o seu diploma, ao lado do seu certificado de perdedor.


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Minha autoria.:D
Se quiserem divulgar (olha a pretensão da criança!), ok, mas não creditem a outros autores. E se possível linkem.
Méh!;)

Jaa!

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Beterrabanete

Desde pequena tenho essa dificuldade de fazer a diferenciação entre beterraba e rabanete. Afinal de contas, eles tem sílabas que coincidem, são (pelo menos por fora) roxos/rosa-arroxeados e não faziam parte da minha dieta até pouco tempo atrás.
E eu continuo confundindo um com o outro.:D

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Carnaval, quadris em abundância e em movimento, intermináveis batidas de tambor...
Se mesmo o do Rio de Janeiro com aquele garbo, e o da Bahia com aqueles baianos incansáveis me deixam aflita, imagina o daqui de Porto Alegre, deprimente, com meia dúzia de "gatos-pingados", fantasias de papelão e papel-machê...
Adivinhou: eu não gosto de Carnaval, nem de Ivete Sangalo, nem de Cláudia Leitte, nem de acompanhar os desfiles, as falcatruas e tudo mais. Eu gosto do feriado. :)
Por isso fui dar um rolê pelos parreirais da serra gaúcha... Fiquei num hotel delicioso, nem vi o Oscar (me pergunto se aquele filme dos hindus vale mesmo tudo aquilo), fiz trilhas, visitei igrejinhas e igrejonas (sem nem ser católica), bebi bastante suco de uva (e um pouco de vinho), caí na piscina, e ouvi muito sotaque "italiáááno".
E fiquei feliz ao constatar que as pessoas sempre me dão menos idade - gozado que até pouco tempo era o contrário.;D
A coisa mais Carnaval a que assisti foi a Gala Gay, voltando a PoA. Medo.:)

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Momento consumista...
Tô comprando toda a linha Kokeshi Club. Já tenho chaveiro, penduricalho de celular, cadernos e cinco bonecas (Mari, Haruko, Sayaka, Michiko e Kaori). Haja dinheiro e haja espaço pra botar tanta boneca!o.õ

Se existe um traço de mangá que eu ficaria feliz em saber fazer é o de Blood+. Se existe uma personagem que eu gostaria de ter criado, é a Oosaki Nana. Se existe um roteiro de humor que eu gostaria de ter escrito é o de Ouran. De romance, seria o KareKano. Etc. Só pra resumir as minhas coleções, além de xxxHolic e Hellsing. Ah, aproveitando a seqüência de idéias (dois erros juntos, veja só!), se existe um mangá que eu NÃO gostaria de traduzir é o Hellsing. Pelos "freetalks" do autor, o cara é pirado.

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De repente o Sputnik Vanik ficou mais atualizado do que este aqui. Até que eu já romanizei bastante coisa...:O
Mas o mais difícil nem é romanizar; o mais complicado é quando tenho que passar para kanji novamente, como as músicas da Meiko Kaji, que um ano depois eu já não sei mais como foi que consegui acertar as palavras sem enxergar os ideogramas direito naquelas imagens de baixa resolução dos livretos... O fato é que escrever uma letra em Japonês é uma arte mesmo. E artistas como a Meiko ainda me dão trabalho por escolherem kanjis obsoletos para palavras modernas, etc.
Aliás, isso é uma coisa interessante no Japonês - poder brincar com os ideogramas de palavras "quase-sinônimas" e suas leituras... Boiou? Ok.

A Língua Japonesa é composta por dois conjuntos diferentes de fonogramas (símbolos que representam sons, como o alfabeto ocidental), o hiragana e o katakana, mais um conjuntão de ideogramas (símbolos que representam idéias completas), os kanjis. Isso é o que torna o Japonês um idioma tão complexo e cheio de possibilidades de trocadilhos e preferências estilísticas. Se você considerar que nós ocidentais, por exemplo, utilizamos uma escrita só de fonogramas, e que os chineses, só uma de ideogramas, o Japonês é uma das únicas línguas (não digo a única porque não conheço todas!) que consegue fazer uma mistura tão interessante.
Na música, os artistas aproveitam essa riqueza para fazer brincadeiras com kanjis obsoletos, kanjis de leituras diferentes mas significados semelhantes, leituras em hiragana (silabário para palavras japonesas, conjunções, conjugações, etc.), katakana (silábario para palavras estrangeiras e que acaba se prestando como um "negrito" quando se quer destacar algo) e kanji.

Por exemplo: na música Urami Bushi (na trilha do Kill Bill, "My Grudge Blues"), da Meiko Kaji, no início da segunda estrofe, ela canta "Sadame kanshi to akiramete". Na letra do livreto, está escrito "運命冠しと あきらめて". O que houve? A leitura mais comum daqueles dois kanjis destacados [運命] é UNMEI (destino, carma); ela, no entanto canta SADAME (destino, karma, lei), cuja escrita mais comum em kanji seria [定め]. Inclusive, no livreto, sobre os kanjis indicados tem a leitura "alternativa" que a Meiko dá à letra.
Na mesma canção, outro exemplo de coisas que se perdem na romanização e na tradução: a mesma palavra em kanji e hiragana (ou katakana). Na estrutura da música sempre tem uma linha de cada estrofe que ela repete três vezes a mesma palavra; na primeira, BAKA (idiota, estúpido), na segunda (e na quarta e na sexta), ONNA (mulher), na terceira, TSUKINU (interminável), na quinta, MOERU (queimar, arder). Só que, na letra escrita, quem lê sem saber Japonês acha que são palavras diferentes, pois Meiko faz uma espécie de gradação: [馬鹿な バカな] é "baka na BAKA na", primeiro em kanji, depois em katakana (para dar destaque); [ おんな] é "onna onna", primeiro em kanji, depois em hiragana; [きぬ きぬ] é "tsukinu tsukinu", novamente em kanji e hiragana; e, por último, [える える] é "moeru moeru", com a mesma combinação de kanji e hiragana.

Por essas e outras, adoro transliterar; mesmo sem muitas vezes saber o sentido completo da música, começo a aprender sobre certas particularidades.:)


Jaa!o/

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

(A Minha) Introdução à J-Music

Hoje quando você entra em um fórum de discussões sobre J-music e diz que gosta de, por exemplo, Asian Kung-Fu Generation, é praticamente crucificado (além de acusado de n00b, newbie, novato) pelos idiotakus. A idéia que esses sabichões normalmente têm é a de que, para ser fã de verdade, você tem que conhecer até os mais obscuros nichos da indústria fonográfica nipônica. Músicas e bandas popularizadas por anime são lugar-comum. Não que isso seja mentira, mas o que eles esquecem é que elas são o começo... Vou contar minha trajetória de fã de músicas japonesas.

Em meados de mil novecentos e noventa e tô ficando velha, a minha geração assistia ao florescimento da indústria de animes e tokusatsus no Brasil: Cavaleiros do Zodíaco, Sailor Moon, Guerreiras Mágicas de Rayearth, Dragon Ball, entre outros. Esse foi o início (confesso que pouco expressivo, no entanto) da minha paixão pela cultura japonesa.
Na época, não tínhamos Internet (nem computador!) em casa, então normalmente o que sabíamos sobre as séries provinha de revistas de qualidade duvidosa com informações nem sempre atualizadas sobre o assunto.

Anos mais tarde, no início do novo milênio, veio o computador (primeiro sem Internet, depois com a discada, eu lembro!), mas aí as séries já eram outras: a mais adorada por mim era Card Captor Sakura. Foi com essa da Clamp - depois de muitos pop-ups, caídas de linha, longas esperas por fins-de-semana e feriados, links quebrados - que conheci o verdadeiro poder disseminador da Internet. Eu, com meus 10, 11 anos, fiquei estupefata ao escutar pela primeira vez uma música em Japonês ("Catch You Catch Me", o tema de abertura) e notar, ao acompanhar a letra (em roomaji, óbvio), que a língua tinha um "quê" de familiaridade e simplicidade. A globalização me atingiu em cheio e, nesse caso, me apaixonou.
A partir daí, toda trilha de anime que me encantava de alguma forma, eu procurava nos meus meios rudimentares e baixava. Obviamente, até novas ferramentas de disseminação surgirem (os peer-to-peer, torrents, sites de hospedagem de arquivos, Orkuts da vida) minhas séries evoluíram de novo.

Quando eu já tinha um domínio minimamente decente dos meios de downloads, descobri, em uma madrugada do Cartoon Network, Samurai X (Rurouni Kenshin). Claro, me apaixonei pela história e por quase todos os personagens masculinos gostáveis do "elenco", mas tenho que confessar que foi quando o primeiro episódio chegou ao fim que tive o meu momento de nirvana.

O primeiro encerramento do anime é a minha razão maior de ter procurado outras bandas nipônicas no mundo da web. O nome da música é "Tactics", tocada por uma das bandas que perdura no meu repertório: The Yellow Monkey. Esse grupo, na realidade, não existe mais. O que restou dele foi a carreira solo do vocalista, Yoshii 'Lovinson' ou Yoshii Kazuya (que também aprecio). A música da qual tanto gostei me apresentou a um nicho que eu ingenuamente julgava inexistente: o "Japanese rock". Ele não só existe como é variado, cheio de influências e, ao mesmo tempo, original.
E foi por culpa desse mesmo anime que acabei gostando de outros artistas como JUDY & MARY (eu também achava que era uma dupla, mas é uma banda de rock psicodélico com uma vocalista de voz estridente), Kawamoto Makoto (outra cantora de voz aguda e estilo psicodélico, embora mais pra folk) e Bonnie Pink (uma das artistas de que mais gosto, pela variedade de estilos).

Na época de Samurai X eu também assistia a outros animes do mesmo canal, como Gundam Wing (que me fez gostar, por uma longa fase, de TWO-MIX), Inuyasha (que me apresentou ao excelente Do As Infinity) e Yuu Yuu Hakusho (com as músicas do Takahashi Hiro e da Mawatari Matsuko). Depois disso, a Internet discada disse adeus e, com essa maravilha que é hoje, conheci outros animes, agora sempre na língua original (Full Metal Alchemist, Naruto, Bleach, Nana, Ouran, Fruits Basket, Evangelion, entre outros mil).

Então hoje, sempre que observo os idiotakus ridicularizarem alguém por gostar de "músicas de desenhos", lembro da minha fase de Asian Kung-Fu Generation (que não deixa de ser uma banda boa, embora eu tenha enjoado de tanto ouvi-los) e sorrio, pois foi assim que me tornei fã de J-music e conheci até algumas bandas que nem os próprios japoneses conhecem.:D


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Aliás, faz um tempinho que não assisto a nenhum anime, dorama ou o que seja. Fora Cosmos (que série maravilhosa!), do Carl Sagan, e Desperate Housewives, que também estou dando um tempo, estou me concentrando nos filmes e livros. E música, claro.

Andei atualizando minha lista de filmes com "Les Chansons D'Amour", que confesso que só baixei por culpa do Louis Garrel. O filme em si, achei fraco; embora a música seja ótima.:D

Também vi, finalmente, Nana e Nana 2. A Mika Nakashima está quase perfeita como a Oosaki Nana (na minha humilde opinião, só faltou um pouco mais de humor). E como é magra essa mulher (tá certo que eu sou gordinha pra fazer uma comparação, mas a magreza da Mika continua espantosa)!
Claro que não dá pra ser fiel ao mangá e à série animada, mas achei que algumas coisas poderiam ser melhores: nenhum dos "Rens" me convenceu muito (não por falta de semelhança, simplesmente pelas atitudes); o Shin do Kanata Hongo foi mais convincente que o do Kenichi Matsuyama, mas ambos estavam quietos demais; de longe, o que mais me incomodou foi a Yuna Ito. Nada contra a cantora, o problema é que a Reira original não fica falando em inglês o tempo inteiro e... o TRAPNEST é pra ser uma banda de rock! As músicas da Mika (embora não sejam mais rock do que aquelas que ela fez como MICA 3 CHU) ainda convencem, mas as da Yuna são pop e pop descaradamente pop!xD
Das "Hachis" não tenho reclamações. As duas atrizes trabalharam bem.
Ah, só para registrar: o Takumi (Tamayama Tetsuji) é perfeito. E tenho dito.

Takumi -> Tamayama Tetsuji


Também vi nessas férias "Gone with the Wind" (E o Vento Levou), "The Sound of Music" (A Noviça Rebelde), "Nuovo Cinema Paradiso" (Cinema Paradiso) e "Charade" (Charada), para atualizar minha lista de filmes clássicos já vistos...:D
Adorei o da Julie Andrews; não gostei muito do primeiro citado; e, em comparação com o "Charade", prefiro o remake (nunca diga isso em uma sala de cinéfilos!) com a Thandie Newton, o Mark Wahlberg e o Tim Robbins, "The Truth About Charlie" (O Segredo de Charlie). Embora as atuações do Cary Grant e da Audrey sejam impagáveis!:D
E "Nuovo Cinema Paradiso" vale cada segundo!:)

Revi pela TV "Hook" (Hook - A Volta do Capitão Gancho) e amei de novo - contrariando a crítica - ; pelo computador, "Pocahontas" (da Disney), uma das minhas animações preferidas, e "Dogma", que continua engraçadíssimo pra mim.:D

Domingo passado vi "Silent Hill" (Terror em Silent Hill), mas confesso que entre repentinas "zapeadas" e desvio de olhares. Filmes de terror ainda não são o meu forte - o problema é que a curiosidade às vezes é mais forte...:P
E ontem vi "Mimi wo Sumaseba" (Se Você Ouvir com Atenção - tradução, acho que não saiu aqui no Brasil...). Muito, muito, muuuuuuuuuuito fofo!*.*
Studio Ghibli sempre se superando! Se eu já tinha gostado da Chihiro, da Kiki, do Totoro e do Howl, esse só fez com que eu me apaixonasse mais ainda pelos trabalhos do estúdio. E, sim, eu assisto a filmes infantis ainda...:D

Também assisti a "Chariots of the Gods" (Eram os Deuses Astronautas?) sem legendas (não que precise muito) e achei as teorias bem interessantes. Mas só realmente me interessei por esse filme depois que a minha mãe o citou enquanto assistíamos ao "Indiana Jones 4"...:D

Ufa! Até que filmes eu vi bastantes...:D

Livros que li a pouco ou estou lendo: "O Cortiço", do Aluísio Azevedo (livro ótimo, já terminei); "A dança do Universo", do Marcelo Gleiser (sobre os mitos de criação, Física e... bom, cosmos); e "Senhor Embaixador" (do meu amado Erico Verissimo).:)

Músicas? Ando fixada na trilha de "Les Chansons D'Amour", na dupla de japonesas fofas do RYTHEM, no novo single da Kaela Kimura, e nos "velhos" álbuns do Yoshii Kazuya (*o vídeo do link é um cover, na verdade; mas o usuário que o fez é talentoso, dá pra ter uma boa idéia da música). :)

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Vou transformar meu antigo blog do projeto de História do colégio em um redutos das letras (de música) romanizadas por mim. Assim, mantenho ele vivo e dou uma amenizada no perigo de perder o meu trabalho.:)


Putz, depois de tanto tempo sem escrever vem isso tudo... :D
Jaa! o/