quinta-feira, 11 de junho de 2009

Ninguém que ficar só

[por Luísa Vanik]

Existe, nas sociedades humanas, uma cultura de supervalorização do relacionamento conjugal. Em decorrência disso, as relações entre indivíduos freqüentemente acabam se estabelecendo sobre os princípios da hipocrisia e da comodidade, o que resulta em sentimentos de insatisfação emocional, e pode criar para as pessoas uma impressão negativa de uma associação humana que deveria ser encarada com prazer e alegria.

A idéia de que “socialmente correto” é nunca estar sozinho tem explicação racional. A combinação de indivíduos sempre foi uma estratégia biológica, com a finalidade de principalmente gerar descendência; desde a Antigüidade Oriental até tempos mais recentes, sabe-se que as uniões, para os nobres, também tinham parte no estabelecimento das relações de poder e, para o povo, representavam uma estratégia de sobrevivência no mundo. Essas concepções de casamento como “necessidade” ou como “ferramenta de domínio” continuam, mesmo que inconscientemente, arraigadas no imaginário humano. A sociedade de hoje concebe o relacionamento entre duas pessoas como prova irrefutável de competência fisiológica; afinal, se uma pessoa é capaz de se unir a outra, ela cumpre teoricamente o seu papel na perpetuação da espécie. Por conta disso, criou-se o mito de que o “casal” seria uma entidade superior ao “indivíduo”, e, portanto, para que um sujeito se realizasse como ser humano, seria necessária a sua união a outrem.

Por conseqüência dessas idéias, muitas pessoas assumem relacionamentos sem estrutura para tal, crentes de que se completarão com a outra pessoa, independente da qualidade dos sentimentos envolvidos. Na prática, esses indivíduos frustram-se ao descobrir que os sentimentos de necessidade, curiosidade e interesse que os uniram não são suficientes para manter uma relação baseada em carências individuais e reconhecimento social. Por comodidade, muitos prosseguem com a convivência. Disso decorrem as crises de auto-estima, os assomos de egoísmo e as traições, como forma de punição ao outro – por não corresponder às expectativas de tornar feliz o seu par – e a si próprio – por não ter sido capaz de alcançar a satisfação plena, o que deveria ter ocorrido pelo simples fato de ser cumprida a convenção de se unir a alguém.

O culto ao pareamento de pessoas deve ser, portanto, analisado com certo cuidado. Embora a tendência de associação entre indivíduos cumpra um papel importante na História da humanidade, o costume de ver o casamento como atestado de competência social e como reduto de soluções e felicidades frente às carências e questões individuais pode ser nocivo para todos os envolvidos. Uma relação que requer a anulação de sentimentos individuais não sobrevive aos menores atritos.



Fazia um tempinho que eu não tinha que escrever uma dissertação...@_@
Devido às comemorações de Dia dos Namorados, acabei tendo idéia para esse tema.
Antes que venham as pedras, as cruzes e os insultos, um esclarecimento: não sou contra relacionamentos (o que seria uma completa burrice, se fosse o caso). Sou contra relacionamentos convencionais, que se dão por moda, necessitam de aprovação alheia e se baseam meramente na idéia de "vamos fazer, já que tá todo mundo fazendo". Tenho até um certo romantismo por acreditar em amor único e verdadeiro; contudo, não consigo acreditar que seja possível encontrá-lo na primeira esquina disponível.
Fora isso, sou solteira e mal-amada - e uma das tantas que se deprime com o Dia dos Namorados.;)

Jaa!o/

Um comentário:

Uriel Lajtak disse...

"sociedade de hoje concebe o relacionamento entre duas pessoas como prova irrefutável de competência fisiológica; afinal, se uma pessoa é capaz de se unir a outra, ela cumpre teoricamente o seu papel na perpetuação da espécie"... Nem vou comentar :) parece com a realidade.

"Fora isso, sou solteira e mal-amada - e uma das tantas que se deprime com o Dia dos Namorados"... Muito sincera isso é bem legal.

O texto ficou muito bom, me fez lembrar do filme "Into the Wild", o filme fala sobre a vivencia em sociedade a relação entre as pessoas.
Parabéns pelo texto e pelo dia dos namorados. hehehe