O mais deprimente sobre o seu aniversário é o fato de que ele é só um dia qualquer. Se você não faz nada deliberadamente, nada de realmente diferente acontece; ele passa, você não sente. Não tem um aviso no Gameboy de algum deus que diga que o Pokémon dele está evoluindo. O que até seria bem interessante, pensando nisso. Você não muda de forma, não desenvolve habilidades novas.
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Maru has evolved from Squeezy (Marumugyun) to Squary (Marugotsu) |
Em uma comparação tecnológica, essa coisa toda de crescer, envelhecer, amadurecer acontece mais como uma daquelas atualizações do Windows: quando você menos espera, quando você menos quer – mais especificamente quando você quer desligar o computador e aparece aquela notificação maldita de 21 atualizações sendo instaladas.
Especialmente pela função de envelhecer, decidi fazer desta postagem em particular uma espécie de retrospectiva de fatos que, de certa forma, moldaram minha vida e minhas idéias como elas são hoje. Se esse post parecer muito mimizento, é porque o escrevi na semana mais deprimente do mês, um pouco antes do meu aniversário. E também, né... é sobre meus mimimis pessoais; existe uma probabilidade de 98,9% de que você não queira saber das reclamações alheias, vivendo em um mundo em que 98,9% das pessoas que não tem problemas reais só sabem reclamar.
Quando comecei a escrever na Internet (blog, flog, Orkut etc.) eu gostava principalmente de escrever o conteúdo dos perfis. Na minha fase final da adolescência, em vez de usar adjetivos, que não são nem um pouco esclarecedores, para me descrever passei a listar fatos sobre mim. Daí a mania dos “fatos”. Embora os fatos listados fossem banais - como o fato de eu odiar resolução 1024x768 e preferir a resolução de 800x600 lá nos meus 13 anos.
Então, primeiro fato marcante: a morte do meu pai quando eu tinha 11 anos. Câncer. Não estou evocando isso pra sensibilizá-los, meus caros leitores – embora saiba que esse é um recurso que funciona. Mas qualquer pessoa que passou pela morte de um ente querido extremamente próximo – e em uma idade em que, bom, você já está passando por coisas o suficiente para considerar sua vida um drama mexicano – sabe que todo o processo de lidar com a morte provoca um amadurecimento fora do comum nas pessoas envolvidas. O tipo de amadurecimento que você não enxerga em pessoas saudáveis com famílias completas e sãs, exceto em casos raríssimos (tão raros quanto o próprio status de “família completa e sã”). A morte do meu pai foi aquela marcação definitiva entre a infância nostálgica de Casimiro de Abreu e a adolescência ultra-romântica de Álvares de Azevedo, colocando em termos de clichês.
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Exceto que eu, aparentemente, acabo de ultrapassar os 20 anos. Chupa, tuberculose! |
O negócio é assim: um dia você acorda e alguém que você via todos os dias e amava com todas as forças não está mais lá. Todos estão tristes e confusos. Você está triste e confusa – tão confusa que provavelmente só vai de fato entender a situação dias/meses/anos depois, quando finalmente vai conseguir chorar. Mas todos parecem ainda mais tristes e confusos, especialmente as pessoas que tinham em comum a mesma proximidade e o mesmo amor por esse alguém. Então você quer ajudá-los, quer ser uma espécie de pilar para eles – e provavelmente também é o que eles pensam quando olham para você -, motivo pelo qual você não quer ser a única criança com motivos egoístas do grupo, a criança que todos têm que se desdobrar para atender.
Então você cresce, porque entende que mesmo a sua mãe, mesmo o seu irmão mais velho – mesmo os “adultos”, tão fortes e confiáveis – estão lutando contra a confusão e a tristeza e a saudade. Eles também não sabem o que fazer com esses sentimentos, tanto como qualquer outro ser humano. Não é humanamente possível manter toda a inocência de antes quando você vê a sua mãe, o seu principal apoio, tão fragilizada quanto você.
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Mas não dá pra ficar brava com a morte depois que você conhece o Puro Osso. |
O segundo fato marcante foi a minha admissão no colégio militar, que acontece mediante aprovação em um concurso (para civis). Na verdade, todo o processo de tentar, estudar, falhar, conviver com um ensino público (estadual) ruim, conviver com um ensino privado igualmente ruim, estudar novamente, tentar novamente e finalmente ser admitida, foi uma batalha mais longa e mais marcante do que certamente estou fazendo parecer.
É bem provável que eu não tivesse tentado mais vezes não fosse a influência em especial do meu pai, que sempre fez uma propaganda ultrapositiva do ensino nas escolas militares. E você pode odiar o quanto quiser essa instituição, mas vai ter que admitir que, sim, o ensino é comparativamente muito melhor. Especialmente quando a sua preocupação é sair de uma escola em que a maioria dos seus colegas considera professores meros serviçais, falta de educação a nova moda, e futuro (pessoal e profissional) uma coisa a não ser levada a sério quando se tem sexo, drogas, hormônios.
É bem provável que eu não tivesse tentado mais vezes não fosse a influência em especial do meu pai, que sempre fez uma propaganda ultrapositiva do ensino nas escolas militares. E você pode odiar o quanto quiser essa instituição, mas vai ter que admitir que, sim, o ensino é comparativamente muito melhor. Especialmente quando a sua preocupação é sair de uma escola em que a maioria dos seus colegas considera professores meros serviçais, falta de educação a nova moda, e futuro (pessoal e profissional) uma coisa a não ser levada a sério quando se tem sexo, drogas, hormônios.
Sim, as minhas tentativas de ingressar em um colégio bom foram escolhas minhas (influenciadas, mas minhas). Escolhas que serviram para me tirar de uma depressão profunda que você só sente quando olha para os lados e enxerga apenas uma ou duas pessoas (valiosas amigas) que compartilham as suas preocupações. No colégio militar, eu finalmente pude olhar e enxergar mais pessoas, pessoas muito melhores do que eu própria (em todos os sentidos possíveis), mas, especificamente, pessoas com objetivos semelhantes (e melhores), amigos – amigos que eu suspeito às vezes nem ser digna. E ensino satisfatório.\o/
Terceiro “fato”? Não sei se posso dizer assim. Minha escolha, em momentos diferentes, pelos três fatores da equação que rege minha vida acadêmica agora: Letras – Bacharelado – Japonês. Eu queria ser escritora, sempre gostei de palavras, especialmente as escritas; então a escolha do primeiro termo parece lógica. Desde a primeira série. Do ensino fundamental. O que parece uma escolha obstinada é obviamente fruto da minha ignorância infantil: escritores não cursam Letras. O presente aponta para a minha cara e ri ensandecido; escritores precisam de conhecimento, mas não de um curso específico, não de professores que não sabem ensinar, de colegas que não sabem aprender, etc. (Lembrem-se que há exceções, crianças.)
Bacharelado foi uma escolha menos óbvia, talvez três anos antes do vestibular em si.
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Deus, adolescência é uma fase negra - que fica ainda pior quando você lida com gente estúpida... |
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Reality hits you hard, bro'. |
Primeiro ponto: “não quero que a palavra ‘Licenciatura’ limite meu campo de atuação a salas de aula”, por A e B motivos. A: é preciso talento para dar aulas, e esse “talento” envolve carisma, persuasão, domínio e calma frente a multidões de pessoas de idades variadas (e nenhuma das quais faz parte da minha lista de qualidades pessoais). B: sejamos realistas, as perspectivas de um professor no Brasil são terríveis, e não estou nem falando dos salários, mas da própria qualidade da educação dos alunos.
Segundo ponto: traduzir, ou trabalhar com textos de qualquer forma, me parecia mais atrativo do que ter que lidar com pessoas diretamente – e essa crença, obviamente, não passa de ilusão, porque qualquer que seja o seu trabalho, em níveis maiores ou menores, você vai ter que lidar com pessoas diretamente em algum ponto, por mais aterrorizante que isso seja (por mais que você tenha palpitações e acessos de pânico).
Terceiro ponto: a Licenciatura não tinha a opção de língua que eu priorizava, o japonês. O que já dá uma dica sobre qual das escolhas eu havia definido antes.
Segundo ponto: traduzir, ou trabalhar com textos de qualquer forma, me parecia mais atrativo do que ter que lidar com pessoas diretamente – e essa crença, obviamente, não passa de ilusão, porque qualquer que seja o seu trabalho, em níveis maiores ou menores, você vai ter que lidar com pessoas diretamente em algum ponto, por mais aterrorizante que isso seja (por mais que você tenha palpitações e acessos de pânico).
Terceiro ponto: a Licenciatura não tinha a opção de língua que eu priorizava, o japonês. O que já dá uma dica sobre qual das escolhas eu havia definido antes.
Parece estúpido, mas até hoje eu tento formular uma boa resposta para a pergunta: “por que você escolheu japonês?”; sim, eu ainda tento. Isso vai render uma postagem completamente nova, porque preciso de espaço, tempo e muita organização. Talvez a maior de todas as ironias: a pergunta mais simples e inocente de todas é a que gera a mais complexa das respostas no meu mundo interno. Eu sei qual o conteúdo da resposta, mas ainda preciso organizá-lo para que os outros entendam que um gosto pessoal é, às vezes, resultado de múltiplos fatores; às vezes, é só um gosto pessoal arbitrário. E quanto mais esse gosto influencia a sua vida, mais ele se encaixa na primeira opção.
Também posso citar outros fatos pessoais marcantes em outros níveis: minha imaturidade sentimental de forma geral; minha grande desilusão 2006-2009; meu enfrentamento pontual de preconceitos pessoais e de preconceitos alheios; os estrangeiros e a lição eterna de “como eu sou péssima com qualquer nacionalidade”; minha aventura em SP com pessoas relevantes; minhas desventuras acadêmicas, com professores e colegas. A lista sempre continua.
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Gosto de chocolate – mas suspeito que esse seja um daqueles gostos arbitrários...
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E esse é um fato per se: a lista sempre continua. Na verdade, mesmo se eu escrevesse uma postagem por dia, para cada coisa que me marca sempre teria algo novo, mesmo que fosse uma frustração ou uma paranóia injustificada (aliás, sou atleta qualificada em esportes de especulação e observação da realidade).
O que veio desde o início desse processo de “maioridadezação” foi o medo. Medo de perder a relevância para todos, de não sobreviver às mudanças, de não sobreviver às pessoas, de não sobreviver ao mundo. Medo de não conseguir me independer (trabalhar, morar sozinha, pagar as contas e os impostos...), ou de ficar completamente sozinha, deixada aos meus próprios pensamentos e minhas próprias depressões. Medo de nunca receber nenhum tipo de reconhecimento, nenhum tipo de apoio ou de elogio. De me abandonar e de ficar de mimimi o tempo inteiro, lamentando por coisas que eu perdi porque tive medo de fazer – e esse tipo de medo é a maior e mais lamentável de todas as auto-sabotagens possíveis! Ainda me assombra essa coisa de ser adulta, de responder pelas próprias incompetências. Nesse ponto, já sei que não existe volta. Sei que vou tentar e falhar e tentar e conseguir.
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Paranoid Parrot sempre. |
Viver eu ainda não sei. Vou lá pesquisar mais sobre o assunto e depois conto para vocês.:)